AS COMISSÕES DE MORADORES DE BEJA NO PROCESSO REVOLUCIONÁRIO NO PÓS 25 DE ABRIL

No âmbito do processo revolucionário que se desenvolve a seguir ao golpe militar de 25 de abril de 1974 surgem por todo o país, por iniciativa do povo, um conjunto diversificado de organizações populares de base destinadas à defesa dos seus interesses, entre as quais se destacam as comissões de moradores. Abertura de caminhos, criação de creches e infantários, construção de centros culturais e de convívio, resolução do problema da falta de habitação transformando casas devolutas em casas de habitação, luta pela abertura de postos médicos, foram, entre muitas outras, campos de ação e luta destas comissões de moradores. Beja não ficou à margem deste movimento organizativo das populações realizado no fragor do processo revolucionário. Nos bairros mais pobres da cidade, Pelame, Boa Esperança, Apariça e outros, rapidamente surgiram comissões de moradores bem como uma estrutura coordenadora da sua ação designada por “Secretariado das Inter-Comissões de Moradores de Beja”, onde se fazia sentir uma forte influência da esquerda radical (PUP/CMLP – Partido de Unidade Popular/Comité Marxista Leninista Português; UDP – União Democrática Popular; MES – Movimento da Esquerda Socialista e PRP(BR) – Partido Revolucionário do Proletariado (Brigadas Revolucionárias).

Por força desta influência política logo surgiram divergências quanto ao papel das comissões de moradores entre o Secretariado das Inter-Comissões e a Comissão Administrativa da Câmara hegemonizada pelo PCP – Partido Comunista Português – e o MDP/CDE – Movimento Democrático Português/Coligação Eleitoral Democrática. Enquanto o PCP, conforme refere em comunicado a Comissão Concelhia de Beja, de 09/07/1975, defende que o papel das comissões de moradores era desenvolver “actividade em íntima ligação com as câmaras, juntas de freguesia e MFA”, portanto em apoio à estrutura institucional do Estado, as comissões de moradores influenciadas pela esquerda radical negavam esse papel, antes afirmando-se como contra poder em relação ao Estado burguês, definindo, em documento datado de outubro de 1975, como seu objetivo “a construção do Poder Popular, avançando para a revolução socialista, preparando os trabalhadores para a tomada do poder a todos os níveis”.

Neste quadro, a queda do V Governo Provisório levou as comissões de moradores de Beja a desenvolverem uma intensa atividade política de combate ao VI Governo Provisório e ao resvalar do país para a direita, cujo ponto mais alto foi a convocação de uma manifestação pelos secretariados das Inter-Comissões de Moradores e Trabalhadores de Beja e pelos soldados da Base Aérea n.º 11 contra a política de ataque aos direitos dos trabalhadores e à reforma agrária, para 1 de outubro de 1975, que, com o PCP e as organizações de trabalhadores por ele controladas em silêncio, tem o apoio dos soldados do RAB (Regimento de Artilharia de Beja), da Comissão Distrital de Beja da UDP, bem como da Direção da Organização Regional do Alentejo do CMLP e do Comité Sub-Regional de Beja da ORPC (M-L) – Organização para a Reconstrução do Partido Comunista (Marxista-Leninista).

No rescaldo da manifestação, perante a ameaça de sanções por parte do comandante da Base Aérea n.º 11 sobre cerca de meia centena de soldados que nela tinham participado fardados, o povo de Beja concentra-se, dia 2 de outubro, junto ao portão da Base exigindo garantias de não repressão sobre os militares. A adesão do Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas do distrito a esta concentração, mobilizando os trabalhadores agrícolas, e a convocação de uma greve no Baixo Alentejo para o dia seguinte foram decisivas para o recuo do comandante da Base nos seus propósitos.

Na revolução de Abril, que agora comemoramos os 50 anos, em muitos momentos o povo era, de facto, quem mais ordena.   

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