BEJA EM VÉSPERAS DE ABRIL DE 1974

Março, véspera de abril, aparentemente tudo corria calmo em Beja. A grande novidade, com chamada à primeira página do Diário do Alentejo (DA), de dia 22, sexta-feira, era a representação, em Portugal, da peça teatral francesa “Les Lettres de la religieuse portugaise”, de Claude Barbin, de que era intérprete a actriz Micheline Uzan da Companhia de Teatro Gerard Philipe, de Paris, com encenação de José Valverde.

A antestreia estava marcada para Beja, dia 30, de março. BEJA VAI “REVIVER” PAIXÃO DE MARIANA ALCOFORADO, titula o DA.

Na sua edição de 1 de abril, o jornal trás a reportagem do evento promovido pelo Grémio Literário. A representação ocorreu no Convento da Conceição, Museu Regional de Beja. Na assistência estão altos dignitário do regime sob a presidência do secretário de Estado da Informação, Pedro Pinto, rodeado pelos diretores gerais do Turismo, Álvaro Roquete, e da Cultura Popular, Serras Pereira.

O diretor do Museu, Belard da Fonseca, como não podia deixar de ser, estava presente acompanhado dos representantes da elite estado novista da cidade como Luís Vilhena Freire de Andrade, Carolina Almodôvar Fernandes e o médico Escoval Lopes. Pelo meio, destoando, podia ver-se a poetisa Natália Correia e o advogado antifascista Celso Pinto de Almeida.

Pela reportagem do jornal fica-se sem saber se o executivo camarário esteve presente na sua totalidade: José Dias Cara Nova Júnior, presidente; Marcelino Sobral, vice-presidente e os vereadores Aloísio Leal, José Guerreiro de Brito, Sevinato Pontes e Horácio Flores. Fica-se também sem saber se o Governador Civil de Beja, Fernando Nunes Ribeiro, esteve ou não presente no espetáculo e em toda a cerimónia que o rodeou, presumindo-se, no entanto, que sim.

Concluído o evento, que se iniciou, como não podia deixar de ser, com uma receção no Castelo enquanto “símbolo da portugalidade”, houve jantar no monte da Chaminé, perto da Trindade, oferecido pelos seus proprietários, Manuel Passanha Barbosa e sua esposa, Maria Luísa Meneses Blanco Gomes Barbosa.

Enquanto Beja via os seus dias decorrerem de forma aparentemente pachorrenta, sob a vigilância atenta da GNR, da PSP e, sobretudo da PIDE, a polícia política do regime batizada em DGS por Marcelo Caetano, instalada na Avenida Vasco da Gama, no edifício que é hoje dos serviços cartográficos, a oficialidade de baixa patente das forças armadas preparava ativamente o 25 de abril.

Quando em janeiro de 1974, o general António de Spínola toma posse do cargo de vice-chefe do Estado-maior das Forças Armadas, já no interior da instituição militar existe um movimento designado por MOFA (Movimento dos Oficiais das Forças Armadas) que nasce e se desenvolve à margem do general. Embora numa fase ou outra tivessem existido alguns contactos.

É a incompreensão desta realidade que faz Marcelo Caetano provavelmente pensar que tudo decorrerá dentro da normalidade com o afastamento de Spínola e Costa Gomes, com a remodelação ministerial e a afirmação de disciplina e lealdade ao seu governo por parte da “brigada do reumático”, constituída pelos chefes militares dos três ramos das forças armadas.

De facto, tudo parece ter voltado à “normalidade habitual”, só que a 5 de março, na reunião de Cascais, o MOFA tinha-se transformado em MFA com a aprovação do documento “O Movimento das Forças Armadas e a Nação”, redigido por Melo Antunes e Vasco Gonçalves onde se prevê o derrube do governo e a descolonização dos territórios ultramarinos portugueses. A passagem do movimento militar da fase corporativa à fase política está consumada. É a queda do regime é agora só uma questão de tempo.

Este site usa cookies para melhorar a sua experiência. Ao continuar a navegar estará a aceitar a sua utilização.