Villa Romana de Pisões – Uma Beja pouco Romana.

Apaixonei-me por Pisões desde as visitas dominicais que fazia com o meu Pai, nos anos 80, intercaladas com a subida dos 138 degraus do castelo de Beja. A Villa romana de Pisões é um fantástico sítio arqueológico, localizado a escassos quilómetros de Beja. A Villa é o que resta de uma grande casa senhorial do período romano, descoberta nos anos 60 no séc. passado no decurso de trabalhos agrícolas, e que foi ocupada entre os séculos I a IV d.C. e, depois, até ao período visigótico. 

O complexo de Pisões - toda a enorme propriedade - pertenceu a uma família de grandes posses de Pax Julia, a Beja romana. Foi um importante centro de produção agrícola e pecuária, tendo sido uma das povoações satélites da cidade, que a abasteciam de alimentos.

É um dos principais monumentos romanos de Beja e, em tempos, foi das mais bem conservadas villas romanas de todo o país, tendo sido classificada como Imóvel de Interesse Público em 1970. É especialmente conhecida devido à riqueza dos seus mosaicos, e também pelas suas termas, que estão entre as mais importantes no país.

As ruínas de Pisões correspondem a uma típica villa romana, ou seja, uma abastada moradia que também funcionava como o núcleo de uma propriedade agrícola latifundiária. A casa rural tinha 48 divisões organizadas em redor de um pátio central, ao ar livre, com quatro colunas, e possuía um grande tanque, ou piscina, com 40 m de comprimento por 8,30 m de largura. Anexo ao edifício existia um complexo termal, equipado com um hipocausto para aquecimento, decorado com placas de mármore. Água quente, tépida e fria. O hipocausto, de forma genérica, era um forno subterrâneo utilizado na Roma antiga para garantir o aquecimento de um edifício ou, como era o caso, de água

Uma das salas apresenta no seu interior um tanque com cobertura de mosaicos marinhos, conferindo um espaço de lazer onde os habitantes podiam refugiar-se do calor, durante os meses mais quentes. A fachada principal do edifício estava orientada para Sul, e incluiu um espelho de água, dos maiores da península, neste tipo de edifícios. 

Construídas de forma paralela à piscina, estavam quatro estruturas funerárias, destinadas aos habitantes mais abastados da villa. Junto à casa existiam várias estruturas agrícolas como lagares e celeiros, e residências para os trabalhadores.

A Villa de Pisões é uma das mais importantes - e já foi das mais bem conservadas estruturas deste tipo - em toda a Península Ibérica. O conjunto da Villa Romana de Pisões foi classificado como Imóvel de Interesse Público pelo Decreto n.º 251/70, de 15 de Maio de 1970. 

Em 1964, quando estavam a decorrer trabalhos agrícolas no local, verificou-se que alguma coisa no subsolo impedia o deslocamento da charrua, pelo que se utilizou uma máquina de maior potência, que desenterrou três grandes pesos de lagar, igualmente denominados de pisões. Daí o nome pelo qual o espaço arqueológico é hoje conhecido. 

Esta descoberta foi relatada ao arqueólogo Fernando Nunes Ribeiro, que foi ao local mas, não podendo fazer quaisquer investigações, solicitou a José Joaquim Fernandes, proprietário dos terrenos, que guardasse todas as pedras daquele tipo que viesse a encontrar. Pouco tempo depois as escavações foram iniciadas e decorreram a grande ritmo, durante várias décadas, pondo a descoberto o autêntico tesouro de Pisões.

Contudo, sobretudo depois do dobrar do século, as escavações foram deixando de acontecer, dando lugar, primeiro, a obras de conservação e restauro do espaço, e depois, paulatinamente, a um prolongado e desértico abandono. Que se estende até hoje. Do local de onde arqueólogos de referência, plenos de excitação, desenterraram painéis de mosaicos, paredes pintadas, lajes em mármore, um balneário, colunas e capitéis, uma piscina e vários lagos… jazem hoje, apenas, as ruínas das ruínas. 

Ao longo dos últimos anos o local foi alvo de vários assaltos e actos de vandalismo. Uma das mais bárbaras profanações de Pisões aconteceu depois do 25 de Abril, quando foram vandalizados os painéis de mosaicos que retractavam cruzes suásticas. A cruz suástica (usada por vários povos há mais de 5.000 anos e cujo nome vem do sânscrito 'svastika', que significa “condutora do bem-estar”, sempre foi apenas isso para maioria das culturas) para os romanos representava um símbolo solar de boa sorte.

A ignorância de há 50 anos até pode ser compreendida. A taxa de analfabetismo, desconhecimento e iliteracia das populações era enorme. Hoje não. Sobretudo por parte dos vários responsáveis. E há muitos. Não só locais, como nacionais, e até europeus. Portugal recebe milhões a cada hora, vindos da UE... é completamente inadmissível a passividade gritante das entidades a quem compete a preservação deste espaço, no que concerne à sua recuperação e continuação dos trabalhos de escavação e estudo.

O actual desrespeito das autoridades competentes, sejam elas quais forem, e todas as que o forem, reflecte-se sobre a memória dos proprietários do espaço, e que o cederam a bem da cultura e do conhecimento - José Joaquim Fernandes e Carolina Almodôvar -; sobre todos os que ali trabalharam afincadamente; sobre todo o esforço e capital que o Estado ali despejou ao longo de décadas, e até das ajudas milionárias de entidades como a Fundação Calouste Gulbenkian, todos eles em prol da descoberta e preservação daquele espaço único e tão valioso. 

Durante anos o impasse no processo de estudo e valorização das ruínas deveu-se, sobretudo, à regularização do regime de propriedade. A situação legal das ruínas era ambígua, uma vez que vez que não era tutelada pelo Governo, nem pela Câmara Municipal de Beja. E a minha firme opinião é que devem ser envidados todos os esforços por parte da CMB para que o espaço reverta a favor da autarquia.

Oficialmente, os terrenos pertenciam à Universidade de Évora, que os tinha recebido no âmbito do processo da reforma agrária, de forma a utilizá-los para fins educativos. Porém, a herdade foi alvo de uma penhora devido aos problemas financeiros dos proprietários originais, tendo a Universidade pedido ao Tribunal para retirar as suas parcelas do processo. Esta condição limitava consideravelmente as competências tanto da CMB quanto da Direcção Regional da Cultura do Alentejo, que não podiam utilizar os Centros de Emprego para contratar funcionários para o espaço, e que tiveram de utilizar várias soluções provisórias.

Em 24 de Agosto de 2017, foi finalmente assinado um protocolo entre a Câmara Municipal de Beja, a Universidade de Évora e a Direcção Regional de Cultura do Alentejo, para a valorização da Villa Romana, e a sua abertura ao público. Passaram 6 anos. E, não fora a empenhada D. Conceição, a zeladora do espaço, que explica aos visitantes com carinho e paciência o que pode e sabe – e sabe muito! – as ruínas romanas de Pisões pareceriam quase abandonadas. 

Não há um percurso físico delimitado para os turistas evitarem pisar espaços sensíveis; os painéis com informação estão tão queimados do sol que não se consegue ler rigorosamente nada; há pedaços de argamassa literalmente a desfazer-se, justamente por estar sujeita às condições do clima: alaga-se no Inverno, estala de calor e queima a cor dos painéis de mosaicos no verão (o núcleo central do edificado deveria estar coberto, protegendo-o da erosão da chuva - e tantas vezes de granizo, potencialmente destruidor - e do sol, e a circulação dos visitantes deveria fazer-se por intermédio de passadiços transparentes, a fim de melhorar a experiência da visita e, ao mesmo tempo, preservar a estrutura); a estrada que até lá conduz é própria para tractores; não existe nenhum contentor camarário para depositar os resíduos produzidos por turistas, ou pela zeladora do espaço (e que assim se amontoam e espalham, ao sabor do vento, na berma de uma estrada nacional, no mesmo cruzamento que conduz à Praia dos 5 Reis). Fosse noutro país, ou noutra região do nosso País, e Pisões, definitivamente, não seria esta espécie de batata quente, descartada por todos quantos lhe deveriam dar atenção.

Em Fevereiro de 2019, a exploração da Villa foi debatida numa reunião da Assembleia Municipal de Beja tendo, alegadamente, admitido o presidente da CMB, Paulo Arsénio, que o sítio estava a receber visitantes, mas que não estava a ser feita a monitorização prevista pelo protocolo com a Universidade de Évora, e que caso aquela instituição de ensino não cumprisse o que tinha sido assinado, iria terminar o protocolo. Desconheço o desenvolvimento ou desfecho deste ponto.

No entanto, uma luz ao fundo do túnel: em Maio de 2022, foi estabelecido um novo protocolo, desta vez entre a União de Freguesias de Santiago Maior e São João Batista, o Museu Regional de Beja e a UÉ (sem termo e com renovação automática, segundo o Presidente da Junta, Miguel Ramalho), com vista a serem estudados os materiais do acervo proveniente de Pisões, e que estão depositados no Museu Regional Rainha D. Leonor, recolhidos desde o início das escavações de Fernando Nunes Ribeiro. Este material nunca tinha sido alvo de estudo, estando agora a ser examinado e classificado por um grupo de arqueólogos da UÉ. Trata-se de diversas amostras de diferentes materiais, como ossos, cerâmicas, etc.

As actividades estão a decorrer na aldeia do Penedo Gordo (muito perto da Pisões), justamente por se considerar convivente estar perto de gente que conhece bem o espaço, lhe tem afecto, e que o sente como parte da sua memória afectiva. Aquela população era quem ali trabalhava a terra, e muitos ainda se recordam dos tempos da descoberta de Pisões, sejam os mais velhos, ou aqueles a quem estes foram transmitindo esse acontecimento histórico.

A junta de Freguesia cedeu um espaço na aldeia, que agora funciona como laboratório. Na Feira das Cavadas foi mostrada na Casa do Povo uma exposição com um conjunto de objectos como fragmentos de cerâmica, elementos decorativos como conchas retirados de Pisões, uma réplica de uma ara, e a maqueta da vila, que habitualmente está no centro interpretativo no espaço de Pisões.

A exposição durou uma semana (mas já não estava disponível durante o festival Beja Romana, no qual as entradas em Pisões foram gratuitas.) Na inauguração da mostra expositiva foi organizada uma caminhada intitulada “Lugares com História”, que começou na Casa do Povo, com uma explicação do responsável pelo estudo, André Carneiro, e terminando em Pisões, com o arqueólogo a fazer uma apresentação explicativa sobre o espaço. A acção contou com largas dezenas de pessoas. Ainda neste âmbito está actualmente patente no núcleo museológico do Museu do Sembrano, em Beja, uma pequena exposição temporária com objectos do espólio de Pisões. A UÉ organizou, também em 2020 e 2021, o projecto “Escola de Verão “Ciência e Tecnologia no Património”, na Villa Romana de Pisões, em Setembro e em Outubro, dirigida a estudantes e profissionais da área. Em 2022 já não aconteceu. E não há notícia de que se realize este ano de 2023. Também foi levada a cabo, em 2020 e 2021, uma semana de formação dirigida a alunos estrangeiros, e vocacionada para o restauro. De igual forma já não se realizou no ano passado…

São sinais preocupantes, dado que eram projectos de continuidade. Porém, mais grave, no espaço arqueológico da Villa de Pisões, nas ruínas propriamente ditas, tudo se mantém sem alterações no que diz respeito à urgente preservação do espaço (cada vez mais degradado), bem como à essencial continuação dos trabalhos. Apesar de terem sido instalados uma série de 6 bancos de pedra, em 6 pontos estratégicos, bancos que convidam o visitante a sentar-se e a consultar o Tablet que leva consigo durante a visita e que, em cada um dos 6 locais, lhe permite ver uma reconstrução virtual 360º, mostrando como era o espaço, e o que dali se podia observar no período de ocupação da Villa, há mais de 2000 anos. A nota negativa vai para a promoção do espaço, com estas novidades. Não existe, e as pessoas desconhecem. Talvez por isso o volume de visitantes não tenha registado nenhum aumento desde que se iniciou este projecto de visita virtual

Não obstante esse aspecto, é uma boa notícia, sem réstia de dúvida. Mas ainda bastante diminuta para as necessidades reais e urgentes do importante espaço da Villa de Pisões. Por isso é importante que a visitemos, e que a divulguemos. Aquilo que ainda resta é parte de um local e património únicos. E quantos mais visitantes houver, mais a UÉ terá de se sentir responsável por dar uma resposta à comunidade, relativa ao abandono e degradação das estruturas arqueológicas a que está a votar este importante legado do País e do Baixo Alentejo. 

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