Educação e Território – A história repete-se

Qualquer semelhança com a crónica de há um ano não é pura coincidência. É, a bom ver, reincidência.

O desenvolvimento de um país pode ser medido através do nível de conhecimento e educação dos seus cidadãos. Um direito a que o Estado deve responder, garantido o acesso e a igualdade de oportunidades a todos os jovens, tanto mais, quando ainda, no presente, nos deparamos, em Portugal, com um Ensino Superior elitista, no sentido em que, em termos demográficos e territoriais, persistem as assimetrias e condicionantes socio-económicas que limitam e/ou definem o caminho educativo dos alunos originários de diferentes localizações e classes sociais. Uma constatação cada vez mais evidente e demarcada pela realidade económica do país.

E se é verdade que, segundo a Direcção-Geral do Ensino Superior, foram colocados 2.810 estudantes beneficiários de escalão A de ação social escolar na primeira fase do CAN2023, “dos quais 1.013 através do novo contingente prioritário, assegurando um maior acesso aos cursos mais competitivos” - mais 29% face ao ano anterior - também é verdade que não são as Instutições de Ensino do interior do país que apresentam tal oferta formativa. Da mesma forma que os 7.623 estudantes com colocação nos cursos apoiados pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), não estarão, na sua maioria, afectos às regiões de menor procura e pressão demográfica. E aqui, passamos ao ponto seguinte.

O Ensino Superior é, e deverá ser, também, um meio para se alcançar a fixação de jovens nas regiões interiores, impulsionando o rejuvenescimento do território, a sua competitividade interna e externa, fomentando o desenvolvimento económico e criando maior dinamismo no mercado de trabalho. No entanto, o que se verifica, é um perpetuar do decréscimo de interesse por territórios e condições pouco atrativas, o que revela a ineficácia das medidas aplicadas. Isto porque, se as analisarmos, facilmente concluímos que foram estruturadas para que se atingissem metas de compromisso político europeu, nomeadamente no que ao número de jovens licenciados diz respeito, ao invés de serem estrategicamente pensadas acções concretas e estruturais que visem impactar directamente os territórios.

Será, pois, necessário, antes de mais, fazer convergir as áreas de especialização do Ensino Superior com as necessidades reais do mercado de trabalho e da economia nacional e regional, racionalizando e direccionado esforços e recursos para as áreas emergentes, com maior procura no mercado e para aquelas que mais benefícios trarão ao país e a cada região. No fundo, é crucial ajustar a oferta à procura. Por outro lado, será igualmente necessário que as localidades do interior que dispõem de Instituições Públicas de Ensino,  saibam “vender” o seu território e saibam, sobretudo, criar e implementar mecanismos de atratividade jovem e empresarial, não temendo a abertura a parcerias, ao novo e ao desconhecido. Para isto, é essencial conhecer a realidade local e global, as necessidades das empresas, os propósitos e interesses das novas gerações e estar ciente da importância do seu papel social. Só assim será possível convergir.

Também a nível político importa delinear uma estratégia sustentável e de longo prazo, que resulte num Ensino Superior mais abrangente, inovador e de maior qualidade.

Vamos então a números?

Ao Concurso nacional de Acesso ao Ensino Superior (CNA2023), candidataram-se, às 54.363 vagas disponíveis em 2023, 59.364 jovens (menos 2.090 face ao ano anterior). Destes, 49.438 foram colocados na primeira fase, representando uma taxa de 84%. Desse universo, 87% entraram numa das suas três primeiras opções e 56% na primeira opção. Ficam por preencher 5.212 vagas, que transitam para a segunda fase.

São números positivos, de acordo com os indicadores governamentais, não deixando, todavia, de representar aquilo que é o inverno demográfico do país. Não existindo menos interesse jovem em prosseguir estudos, existirá, sim, uma diminuição do número de jovens em Portugal.

Não tão positivos serão os números referentes às Instituições de Ensino Superior do interior do país, que lideram o número de cursos sem qualquer colocação.
São 37, mais 11 que no ano anterior, distribuídos por 3 universidades (Beira Interior, Madeira e Algarve) e os restantes por dez politécnicos (Beja, Bragança, Castelo Branco, Guarda, Leiria, Portalegre, Santarém, Setúbal, Viseu e Tomar).

Mas avancemos para a análise aos resultados do Instituto Politécnico de Beja, que são os que me levam à presente crónica; 60% de colocações para 514 vagas, 309 alunos, menos 12% que em 2022, perpetuando-se a tendência decrescente de entradas e candidaturas, não sendo, no entanto, uma realidade transversal a todas as Escolas. O decréscimo acontece, sobretudo, na Escola Superior Agrária, onde, das 125 vagas disponíveis, apenas 3 foram ocupadas (Agronomia), segundo o quadro de Classificações dos últimos colocados pelo contingente geral, disponível para consulta. Ficam desertos, na primeira fase, os cursos de Engenharia do Ambiente (pelo segundo ano consecutivo), Ciências e Tecnologia dos Alimentos e de Tecnologias Bioanalíticas.

Já no que à Escola Superior de Educação diz respeito, completou todas as 141 vagas disponíveis, seguindo-se a Escola Superior de Tecnologia e Gestão com 107 das 188 vagas preenchidas e da Escola Superior de Saúde com 58 das 60 vagas completas.

Um retrato sintomático que ilustra a falta de visão dos vários actores, a inexistência de medidas estratégicas das entidades competentes, a ineficácia das políticas demográficas e a incapacidade de atratividade e fixação de população e de investimento (público e privado) por parte da cidade.

Arrisco dizer que para a obtenção de melhores respostas, serão necessárias melhores perguntas, o que requer capacidade para se sair de si, observar, analisar para depois as fazer.

Em suma, toda e qualquer Instituição de Ensino é, em si mesma, um veículo de mudança e transformação social, orientada para a evolução e exposta a mutações e contextos socio-económicos, culturais, demográficos, políticos, globais e territoriais que ditam, inevitavelmente, as alterações ao nível do trabalho, com o surgimento de novas profissões, especializações, desafios e paradigmas. Desta forma, não deverão, nunca, as Instituições, actuar à margem da sociedade e dos tempos.

 “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.”

- Paulo Freire -

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