DIGNIDADE E BEM-ESTAR DA PESSOA IDOSA
Apesar de não ser a minha área de formação nem de desempenho profissional, sinto-me cada vez mais próxima das questões que se relacionam com a dignidade e bem-estar da pessoa idosa.
Em Portugal e de acordo com dados recentes, o fenómeno de envelhecimento da população é sério e preocupante, resultado do aumento significativo da população idosa e do decréscimo da população jovem. A esperança média de vida tem aumentado, tanto à nascença como aos 65 anos.
Acredito que o desenvolvimento e melhoria de certos factores relacionados com questões biológicas, psicológicas e sociais terão contribuído para esta realidade; contudo, tenho a convicção que continuam a existir particularidades relacionadas com o envelhecimento, com a velhice e com o entendimento do lugar e do papel dos idosos na sociedade, que continuam a ser descuradas e que melindram estas pessoas, provocando-lhes angústia e embaraços.
Há quem fale em idadismo (em inglês ageism) relativamente às pessoas mais velhas, assumindo este e na sociedade portuguesa, vários sinais de discriminação. O facto de os idosos já não produzirem e, por isso, perderem o seu valor económico, é revelador. Numa sociedade capitalista, este sobrepõe-se ao valor social e, como tal, os idosos são entendidos, frequentemente, como um encargo. Sem o respeito que merecem. Esta interpretação acaba por “colher” em termos políticos: por um lado, o envelhecimento é um tema ao qual é “exigido politicamente” dar “algumas” respostas; por outro lado, as políticas são frágeis, exíguas e, tantas vezes, desajustadas da efectiva realidade. Ressalvo, em particular, o valor baixo das pensões de velhice e de sobrevivência que invalidam que o idoso sobreviva com o mínimo de poder económico que lhe permita uma velhice digna. Mas, existem outros problemas que, no conjunto, tornam esta situação dramática: a solidão e o isolamento familiar, a fragilidade física e o sofrimento causado pela doença, colocam em causa o delicado equilíbrio que possa existir e são contributivos para um crescente sentimento de insegurança. Neste percurso, o idoso tende a perder gradualmente a sua identidade pessoal, o seu poder de autorreferência, em contexto relacional, aquilo que o caracteriza e que o faz reconhecer-se ao longo do tempo e do seu ciclo de vida. Torna-se “invisível” e “morre” em termos sociais. Este processo tende a culminar, por infelicidade, na perda da sua dignidade.
É claro que nem todos envelhecem da mesma forma. Um idoso que viva numa família onde é privilegiada a convivência com os filhos e com os netos, que não tenha dificuldades de foro económico que condicionem demasiado as suas opções, cujos problemas de saúde não coloquem em causa a sua qualidade de vida, que consiga ir mantendo um contacto regular com a rede de convivas que acumulou ao longo dos tempos (que consiga até aumentá-la, compensando as inevitáveis perdas) e que continue a ter capacidade de sonhar, terá fortes probabilidades de viver feliz. Ainda bem que alguns têm e experimentam esta possibilidade.
Todavia, são demasiados os relatos de pessoas idosas a viverem sozinhas (ou com familiares que os tratam sem consideração e respeito), com doenças crónicas e dolorosas, cuja alternativa ao pagamento à farmácia é ficar sem comer. Quando a doença leva a melhor, torna-se tudo mais difícil e complexo: o idoso é internado num hospital, se tiver sorte até melhora, mas quando tem alta mantem-se em estado de dependência. Hoje dificilmente as famílias têm condições para tratar alguém nesta situação e por períodos indefinidos; não é fácil encontrar uma vaga nas unidades de cuidados continuados ou, em última alternativa, nos lares. Esta provação, se bem que não tão acentuada, também se experimenta em regime privado. E, nesta “dança”, mais uma vez, o idoso é ferido.
Se, entretanto, o dito idoso conseguir entrar para uma estrutura residencial, consciente de que aquela é a sua única possibilidade de sobrevivência, mas também, muito provavelmente, a sua última morada, é provável que o seu sentimento de perda seja ainda maior, assim como o seu nível de stress.
Em contrapartida, não obstante algumas estruturas residenciais terem o devido discernimento para procurarem manter e respeitar comportamentos individuais, personalizados, assumindo-se enquanto espaços de autoconstrução e de desenvolvimento pessoal e social, não conseguem “fugir” daquilo que Bourdieu classifica como “a institucionalização da anomia, o controle rígido da vida de cada pessoa idosa como fundamento essencial do todo organizacional. Tanto por falta de meios (pe, financeiros e legislativos, que lhes permitam fazer as necessárias e as adequadas contratações de pessoal) e/ou de visão, de entendimento, quanto à gestão e filosofia do espaço, aquilo que Sousa e Baptista, no seguimento de Bourdieu, reforçam quando referem que “o poder institucional e os micropoderes, que se legitimam numa lógica institucional, vão eliminando os comportamentos diferentes, desfasados do restante grupo, dentro de uma harmonia de tratamento coletivo.” E assim, ainda segundo os mesmos autores, “desapossado do reconhecimento social enquanto pessoa, o indivíduo idoso institucionalizado vê-se como um ser sem capacidade de decisão, um ser que passa à categoria de objeto. Subtilmente, dá-se a desestruturação identitária.”
Deste modo, existem variados aspectos, quer a montante como a jusante da institucionalização do idoso, que importa trazer à discussão.
Soube que, em meados de Junho último, o PSD apresentou na Assembleia da República um pacote de cinco iniciativas legislativas com o objectivo de ajudar à resolução de (parte) destes problemas. Mas apenas a alteração do estatuto do cuidador informal, passou à especialidade.
Para além das “partidarites” às quais me tenho alheado nas diversas causas em que me envolvo, por falta de saber e de experiência, gostava de contribuir para que esta discussão não retroceda, antes provoque rápidas soluções e que tenha como um pólo, a cidade e o concelho de Beja.
Oxalá assim possa ser. Oxalá assim seja. Os nossos idosos merecem-no!