“É preciso sair da ilha para VER” ! - O Papel da Arte e do Artista na vida de uma cidade

A arte é transversal à sociedade, não escolhe raça, etnia, nacionalidade, religião, convicções políticas e ideológicas, idade, género, identidade ou orientação sexual. A arte nasceu com o ser humano, não sendo anterior nem posterior a ele. É parte integrante da formação e desenvolvimento dos povos, possibilitando o diálogo entre os indivíduos, desde cedo, através da representação de figuras rupestres nas paredes das cavernas. Tem vindo a mutar-se, ao longo da História, influenciada pelas transformações sociais com impacto directo no acto da criação artística que varia (e variou) consoante as exigências económicas, sociais e políticas do momento ou contexto vivido.

Profícua, a arte sempre possibilitou a aproximação entre indivíduos, dotada de uma componente pedagógica capaz de aguçar, promover e desenvolver o pensamento crítico e a abertura ao novo, ao próprio e ao outro. Mais do que isso, a arte opera a capacitação de lidar com o mundo, com o confronto e com a diferença.

Do tradicional ao contemporâneo, passando pelo digital, novos e inovadores objetos artísticos são criados diariamente, marcando e definindo a identidade de um povo: fale-se de um país, província, cidade, região ou território. Certo é que a arte informa, denuncia, liberta, comunica, move e conecta. Mas, sobretudo, a arte humaniza.

Limitar a arte ou o artista, assim como limitar-lhes o acesso, seja em que contexto for, nada mais é do que limitar a Liberdade. A discriminação fere o âmago da essência humana. Tratar alguém de forma diferente simplesmente por ser quem é ou, quiçá, pelas suas convicções ou crenças é, também, perpetuar o preconceito baseado em conceitos de identidade. Esta necessidade de anular, silenciar ou censurar nasce, muitas vezes, da não pertença de um indivíduo a determinado grupo, não sendo necessariamente verdade que lhe seja oposto, porque a neutralidade é, em muitos casos, uma virtude.


O papel dos pequenos artistas, ou dos que não sendo pequenos não são apoiados (e entenda-se por pequeno o grau de projecção que nem sempre é proporcional ao talento) é tão importante como o de outro qualquer. Fazerem-nos crer que qualidade é sinónimo de escolha, preferência, protecção, interesse ou perfilhamento é errado. Tal como é errado limitar e reduzir a Cultura de um território a duas ou três vertentes. Porque somos sempre mais do que aquilo que nos fazem crer. Somos o que temos, mas somos também o que teríamos acaso nos fosse permitido sê-lo. 

Do que estarei eu a falar? Difícil de entender? Talvez, para alguns.

Em primeiro lugar, a falta de diversidade e a sub-representação de artistas locais é uma realidade. Não de agora, mas contínua. Tal como o são as desigualdades estruturais e a posição privilegiada de uns (sem lhes retirar mérito, porque o têm. Não é isso que está em causa) em detrimento de outros, persistindo as assimetrias na representação artística da região. Neste ponto, será necessária e urgente uma acção contínua e sistemática, de forma a operar uma mudança estrutural e atenuar os efeitos de interesses camuflados.

Em segundo lugar, impõe-se não perpetuar um entendimento parcial da História da Arte e da actual produção artística (regional e nacional). A teimosa tendência de programação elitista e fechada em si própria tem a ela associada a clarividência de que a voz de uma parte significativa da população não é de interesse ser ouvida. E aqui, na mudança, todos os profissionais da arte e Cultura têm responsabilidade. A consciencialização parte de todos e precisa de todos.

E se “sair da ilha para ver a ilha” é necessário, parafraseando Saramago, “sair da ilha para VER” é ainda mais necessário. Olhar para fora e por fora, sair, ir, vivenciar e entender a realidade externa como uma dimensão da experiência humana. Captar o que de que bom se faz noutros locais, procurar conhecer e ter contacto com iniciativas e artistas diferentes, imaginar e inovar, ousar o diferente e o novo, criar movimento e ser motor de inspiração, em nome da vida urbana, transformada e renovada, onde todos possam exercer e beneficiar do seu direito à atividade participante e à cidade, aos locais de encontro e de partilha, à diversidade cultural.

O exercício da cidadania passa pelo reconhecimento recíproco, pela afirmação e reconhecimento de grupos que ainda se mantém à margem, mesmo pertencendo à cidade, seja na procura de oportunidades para trabalhar e viver, como para conviver, desfrutar, alargar horizontes, ter acesso a programação cultural do seu interesse, mais abrangente e diversificada. A cidade deve ser capaz de garantir a liberdade de escolha, sem que isso se afigure como um factor de exclusão, e  deverá converte-se num espaço de circulação pluricultural e atrativo, onde os seus agentes, grupos, indivíduos (residentes ou visitantes) possam produzir, assistir, disfrutar, encontrar-se e usufruir das mais diversas e diversificadas áreas culturais e artísticas.

É urgente travar os ciclos de invisibilidade, a que não são alheios os mecanismos sociais de discriminação institucionalizada e é dever geral garantir a igualdade de oportunidades e de tratamento, a todos e para todos, independentemente da raça, etnia, nacionalidade, religião, convicções políticas e ideológicas, idade, género, identidade ou orientação sexual dos artistas.

A Cultura somos todos. A Cultura é para todos. E não somente para alguns.

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