AS ESQUERDAS RADICAIS NO DISTRITO DE BEJA (I) O APARECIMENTO DOS GRUPOS MARXISTAS – LENINISTAS (1)

Ao longo destes artigos, “Beja na Revolução dos Cravos”, foram referidas as várias iniciativas de implantação dos partidos políticos em Beja, cidade, e no distrito. As referências privilegiaram as organizações que fizeram parte daquilo que se pode chamar “arco da governação” nos pós 25 de Abril de 1974. No entanto, não foram só estes partidos que se implantaram em Beja e no distrito. A chamada esquerda radical também esteve presente com um papel importante no movimento de massas, embora a história tenha tendência a ignorar ou menosprezar, uma vez que nunca desempenharam cargos institucionais, vindo a perder força à medida que o regime democrático se ia consolidando.

À semelhança do PCP, que teve a sua primeira sede aberta em Pias, a 26 de abril de 1974, também a implantação das organizações políticas que se reclamavam do marxismo-leninismo surgiu logo a seguir a Abril de 1974. A este facto não será estranho a história de Beja durante a década de 1960 e inícios da seguinte onde antifascistas da cidade mantiveram contactos com a FAP (Frente de Ação Popular) e o CMLP (Comité Marxista-Leninista Português), organizações fundadas em Paris, entre março e abril de 1964, pelos ex-militantes do PCP Francisco Martins Rodrigues, Ruy d’Espiney e João Pulido Valente, no contexto da cisão do movimento comunista internacional polarizado entre a China e a União Soviética.

Estes contactos fizeram-se através de Eduíno Gomes, natural de Ervidel, Carlos e José Janeiro, naturais de Pias e Ângelo Barreto (1), da Amareleja. Eduíno Gomes e Carlos Janeiro, os mais velhos dos quatro, terminados os estudos em Beja, onde frequentavam as tertúlias oposicionistas ao Estado Novo, nomeadamente a que funcionava na década de 1960 no atelier de Carlos Montes, chefe dos pedreiros da firma Pinto Caeiro, rumaram a Lisboa onde, enquanto alunos do Instituto Superior Técnico, foram recrutados para a FAP / CMLP. Na qualidade de estudantes, estes dois jovens, a partir de Lisboa, faziam chegar a Beja, através de José Janeiro, os materiais de propaganda desta organização que este distribuía pelas tertúlias oposicionistas da cidade, a par da atividade intensa que desenvolvia, juntamente com Ângelo Barreto, no cineclube de Beja dirigido pelo advogado Celso Pinto de Almeida, também ele ligado ao movimento oposicionista bejense ao Estado Novo.

Após as prisões de finais de 1965, inícios de 1966, que atingiram a direção da FAP / CMLP e quase toda a organização, Eduíno Gomes e Carlos Janeiro saíram do país. O primeiro para Bruxelas e o segundo para Paris. Perdidos os contactos com a organização, José Janeiro, em 1967, saiu também de Portugal rumo a França, deixando a Ângelo Barreto todos os contactos que possuía em Beja.

Entretanto, em Paris, o CMLP, com os seus principais dirigentes presos no país, realizou a sua II Conferência, a 9 e 10 de novembro de 1968, onde tomaram assento na sua Comissão Central os três baixo alentejanos Eduíno Gomes, Carlos Janeiro e José Janeiro, respetivamente com os pseudónimos de Vilar, Mendes e Afonso.

Foi José Janeiro que, a partir de Paris, fez a ligação do CMLP a Ângelo Barreto, que tinha ficado em Beja, fazendo-lhe chegar os materiais de propaganda da organização que este distribuía pelos seus contatos, os quais, segundo depoimento do próprio, em 1970, eram cerca de sessenta distribuídos geograficamente por Beja, Amareleja, margem sul do Tejo (Barreiro, Cova da Piedade e Almada). De entre estes contatos assumia especial relevo um grupo de operários da cidade de Beja liderados por Joaquim Lemos, chefe da carpintaria da firma Pinto Caeiro.

Foi esta ligação, na década de 1960, de um núcleo do operariado bejense ao CMLP, a “organização mãe” das diferentes organizações marxistas-leninistas que, de alguma maneira, ajuda a explicar a implantação, logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, em Beja e no distrito, desta esquerda radical com real impacto social na região.

(1)   Este texto segue de perto PIÇARRA, Constantino, “As esquerdas radicais no distrito de Beja no decurso do processo revolucionário, 1974-1976”, In coord. FERREIRA, Ana Sofia, MADEIRA, João, As Esquerdas Radicais Ibéricas Entre a Ditadura e a Democracia, Edições Colibri, 2020, pp 191-207.

(2)   Ângelo Barreto, conhecido no movimento m-l pelo pseudónimo de Ortigão, faleceu no passado mês de agosto. Aqui fica a minha homenagem a um lutador antifascista e a um amante da liberdade que tive o prazer de conhecer. Os meus sentidos pêsames a toda a família.  

Continua na próxima quarta-feira...

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