A LUTA DOS MORADORES DO BAIRRO DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO, EM BEJA, EM 1974 (I)

No seguimento do golpe militar de 25 de abril de 1974, o povo, ultrapassadas as manifestações de regozijo pelo derrube da ditadura, começa a organizar-se em comissões de trabalhadores, comissões de moradores, associações pró-sindicais, etc., a fim de defender os seus interesses esquecidos e não defendidos pela ditadura Estado Novista e de tomar em mãos a construção de um futuro melhor.

O povo de Beja, sobretudo o mais pobre, não está à margem deste processo que se desenvolve por todo o país, onde tudo parece ser possível de alcançar. A luta dos moradores do bairro de Nossa Senhora da Conceição, em Beja, iniciada em setembro de 1974, é um bom exemplo deste movimento transformador da realidade a caminho de uma vida melhor.

Este bairro, situado na periferia da cidade de Beja, é mandado construir pelo Bispo da diocese do Baixo Alentejo, D. José do Patrocínio Dias, em meados da década de 1950, com o objetivo de aí se instalarem famílias cujas condições económicas não lhes permitem pagar rendas elevadas, sendo à data do 25 de abril de 1974 propriedade da Junta Diocesana do Amparo dos Pobres de Beja, portanto património da Igreja.

Realizado o 25 de abril, os moradores do bairro, descontentes com a situação precária do seu quotidiano, organizam-se em comissão de moradores e enviam, em meados de setembro de 1974, uma exposição à Junta Diocesana onde expõem a situação em que vivem, ao mesmo tempo que colocam algumas exigências. Queixam-se de que após a morte de D. José do Patrocínio Dias, e com o decorrer do tempo, as casas do bairro que devem ser destinadas aos mais pobres e onde se praticam rendas de 20$00, 50$00 e 100$00, conforme os rendimentos das famílias, estão a ser habitadas por elementos da Polícia de Segurança Pública e da Guarda Nacional Republicana, o que consideram uma injustiça, uma vez que ocupam o lugar dos mais pobres. Para além desta denúncia, os moradores perguntam para onde vão os 15 000$00 que todos os meses são pagos em rendas, bem como onde se encontra a verba que D.  José do Patrocínio Dias deixou destinada a fazer, em alvenaria, os muros dos quintais das moradias e galinheiros no seu interior.

Com efeito, nesta exposição, os residentes sublinham o facto de o proprietário do bairro não fazer qualquer obra de melhoramentos ou mesmo de conservação quando tinha condições e obrigação de o fazer. Como tal não acontece, as ruas têm a calçada arrancada, o que as torna intransitáveis no inverno, e os moradores vão tratando de fazer muros de quintais com canas e tábuas, o que dá ao bairro um mau aspeto.

A estas críticas acrescem mais duas. A primeira prende-se com a fuga da Junta Diocesana em pôr em prática o exarado em documento produzido por D. José do Patrocínio Dias e assinado pelo padre Fatela, o fundador da Casa do Estudante, no qual se diz que os moradores que conservem a habitação por vinte anos, zelando pela sua manutenção, ficam com ela passado esse período de tempo, ou seja, passam a ser eles os proprietários das habitações. A segunda relaciona-se com a forma como está a ser ocupada uma área de 1200m2, terreno destinado à construção de um salão paroquial. Segundo os moradores, este terreno, depois de retirado a um dos residentes no bairro que o trabalhava, é entregue a um padre que nele cria uma horta, para seu benefício exclusivo, gerida e administrada pelo fiscal do bairro, o responsável por arrecadar as rendas pagas pelos moradores.

Como corolário destas críticas, os moradores fazem duas exigências à Junta Diocesana: Que o fiscal saia do bairro, sendo substituído por uma outra pessoa que não explore os moradores e que os 15 000$00 pagos de renda, mensalmente, sejam destinados a obras de conservação e melhoramento do bairro.

Continua

 

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