A LUTA DOS MORADORES DO BAIRRO DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO, EM BEJA, EM 1974 (Conclusão)

Na passada quarta-feira, dia 19 de dezembro, demos conta das reivindicações apresentadas pelos moradores do bairro de Nossa Senhora da Conceição, de Beja, em exposição dirigida à Junta Diocesana do Amparo dos Pobres, proprietária do bairro. Esta exposição, transcrita no “Diário do Alentejo”, vai ter resposta desta Junta Diocesana, através do Mons. Deão Delgado Pires, também no mesmo jornal, de 24 de setembro de 1974, sem que, no entanto, este padre assuma o seu texto como resposta, uma vez que refere que “não tenciona dar qualquer resposta aos signatários do documento (…) antes de serem chamados à responsabilidade pelo poder judicial”. É a Igreja ainda a ter dificuldade em lidar com os novos ventos da democracia que sopram por força do 25 de abril.

Neste texto, o Mons. Deão Delgado Pires nega receber 15.000$00 mensais de rendas pagas pelos moradores do bairro. Defende o fiscal. Nega que D.  José do Patrocínio Dias tivesse deixado dinheiro para a construção de muros nos quintais. Convida os moradores a deixar o bairro caso considerem que pagam rendas elevadas.  Nega que os guardas republicanos e os polícias de segurança pública tenham privilégios, admitindo, no entanto, que deviam ter. Sublinha que os moradores vivem desafogadamente e refere ser falso que D.  José do Patrocínio Dias tivesse determinado que ao fim de vinte anos o morador entrasse na posse da casa. Em suma, o padre Delgado Pires refuta todas as críticas feitas pelos moradores à gestão do bairro pela Junta Diocesana e faz a lista dos signatários da exposição, mencionando, para cada um deles, os meses de atraso no pagamento da renda que refere não poder ser entendida como tal, mas sim como quota destinada à conservação e outros encargos com o bairro.

Esta posição do Mons. Deão Delgado Pires radicaliza a luta. Os moradores do bairro voltam a insistir em querer saber para onde vai o dinheiro[U1] [U2]  das rendas, uma vez que ao contrário do que dispõe o regulamento do bairro esse dinheiro não é gasto em obras de melhoramento. E em resposta direta ao padre Delgado dizem que não pagam rendas enquanto não receberem o dinheiro que com muitas dificuldades tiveram que gastar em obras nas habitações, o que era responsabilidade da Junta Diocesana, e que o padre Delgado não pode querer que os moradores paguem renda e que ao mesmo tempo façam obras de conservação nas moradias.

A esta exigência de saberem para onde vai o dinheiro das rendas, os moradores juntam agora claramente mais duas: o saneamento do fiscal do bairro e cobrador das rendas, visto como um homem de mão do padre Delgado, e que o regulamento se cumpra quanto à propriedade das casas, ou seja, que ao fim de vinte anos as casas sejam efetivamente propriedade de quem as habita.

A denúncia pública da má gestão do bairro protagonizada pela Junta Diocesana e a denúncia das arbitrariedades praticadas pelo padre Delgado conduzem os moradores do bairro de Nossa Senhora da Conceição à vitória. O fiscal é saneado, o Mons. Deão Delgado Pires é afastado da gestão do bairro, uma vez que é visto como o responsável pelo mau estar existente entre os moradores, é assegurada a realização de obras nas casas que o necessitem, ficam anulados os recibos das rendas que os moradores se tinham recusado a pagar, sendo garantido que as casas serão transmitidas aos filhos, após a morte dos atuais inquilinos, bem como o arranjo das ruas. Fica, no entanto, pendente a satisfação da reivindicação onde se exige que seja passado um documento onde se assinale explicitamente o direito, que o regulamento do bairro confere aos moradores, mas que o Mons. Deão Delgado lhes vinha a negar, das casas ficarem para os inquilinos vinte anos após a sua ocupação consecutiva.

Esta luta é um bom exemplo do que se designa por revolução de abril, um período em que os de baixo se juntam e sacodem o jugo a que estavam sujeitos pelos de cima.

  

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