A INTERVENÇÃO DO ESTADO NO MONTE DO OUTEIRO, SITO NA FREGUESIA DE SANTA VITÓRIA, CONCELHO DE BEJA

Com a demissão do general Spínola da Presidência da República e a formação do III Governo Provisório, a 1 de outubro de 1974, o país volta a guinar à esquerda. Uma das consequências deste novo contexto político vão ser as ações de boicote económico e de descapitalização de empresas industriais e agrícolas promovidas por empresários e proprietários não identificados com o espírito de abril.

É esta realidade que obriga o Governo a publicar o DL n.º 660/74, de 25 de novembro, no qual se confere ao Estado o direito de intervir, após inquérito, nas “empresas privadas individuais ou coletivas” que funcionassem de forma a não “contribuir normalmente para o desenvolvimento económico do país”.

Num quadro de enorme tensão nos campos do distrito e concelho Beja, onde a pressão dos assalariados rurais desempregados está a obrigar o sindicato a fazer a distribuição destes trabalhadores pelas explorações agrícolas consideradas em estado de subaproveitamento, a que os empresários agrícolas respondem não aceitando essa distribuição, o Governo vai intervir no Monte do Outeiro, freguesia de Santa Vitória, do empresário agrícola Gomes Palma, ao abrigo do DL n.º 660/74, a primeira intervenção do Estado numa exploração agrícola nos pós 25 de abril de 1974.

Desde agosto de 1974 que existe um conflito entre os trabalhadores e o proprietário que, a 17 desse mês, despede 10 homens alegando não ter trabalho para eles, quando pela convenção de trabalho em vigor os agricultores se tinham comprometido a dar trabalho a todos os assalariados rurais. Dia 29/11/1974, em resultado da fiscalização feita à herdade, a comissão concelhia de Beja decide aí colocar 20 homens, 12 como efetivos e 8 como eventuais. Ao ser notificado desta decisão, Gomes Palma contesta-a junto da comissão distrital (comissão de recurso) que, na sua reunião de 4 de dezembro de 1974 confirma o parecer da comissão concelhia. Nesta conformidade os trabalhadores apresentam-se no Monte do Outeiro, recusando-se o proprietário a recebê-los. É nesta altura que o Governo notifica o empresário no sentido deste rentabilizar a exploração sob pena de ser alvo de arrendamento compulsivo nos termos do DL n.º 653/74, de 22 de novembro. A esta notificação Gomes Palma responde com medidas conducentes à descapitalização da exploração traduzidas na venda de produtos nela existentes (trigo, lenha, efetivos pecuários, etc.). Perante esta atitude os trabalhadores, de alguma maneira apoiados na ameaça de arrendamento compulsivo pendente sobre o empresário, não só não impedem a saída de bens da herdade, como decidem iniciar as tarefas agrícolas que consideram mais prementes (limpeza do montado, desmatação e outras). Como resposta a esta situação, Gomes Palma apresenta no tribunal da comarca de Beja uma providência cautelar contra 13 trabalhadores colocados na herdade para que estes se abstenham da realização dos trabalhos agrícolas – Manuel Baptista Inácio Rocha; António Ramos Merêncio; António José da Conceição; António Manuel Pereira; António Romão; Francisco Agostinho; Jacinto Paulino; João Manuel Gato; Joaquim Antão Camões Serrano; Joaquim Baltazar Narciso, Luís António Pombeiro; Manuel Romão e Manuel Silva.

Por sentença de 9 de janeiro de 1975, o juiz da comarca de Beja dá deferimento à providência cautelar e um dia depois, a 10 de janeiro, por despacho conjunto das Secretarias de Estado da Agricultura e do Trabalho determina-se que seja constituída uma comissão nos termos do DL n.º 660/74 para, num prazo de 15 dias, proceder no distrito de Beja a um inquérito às infrações ao contrato coletivo de trabalho rural.

No seguimento desta decisão, o Governo, ainda no mês de janeiro, intervém na herdade do Monte do Outeiro e Anexas ao abrigo do DL. N.º 660/74, nomeando como gestor delegado do Estado o regente agrícola António Manuel Romana Martins. A formalização legal da intervenção só surge mais tarde, por resolução do Conselho de Ministros de 5 de fevereiro de 1975.  

A intervenção do Estado visou, seguramente, vários objetivos, inclusivamente um que nunca se fala: evitar, naquele momento histórico, que surgisse no terreno da luta política o papel dos tribunais enquanto instrumentos de dominação de classe.

 

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