A EXPLOSÃO DO MOVIMENTO DE MASSAS NO SEGUIMENTO DA INTENTONA FALHADA DE 28 DE SETEMBRO DE 1974 E A FORMAÇÃO DE FAÇÕES NO INTERIOR DO MFA

Nos últimos textos sobre “Beja na Revolução dos Cravos” sinalizaram-se aspetos da revolução cujo palco foi o concelho de Beja. No texto de hoje e nos das próximas semanas analisaremos a evolução política do país a partir de onde a tínhamos deixado, ou seja, na demissão do general António de Spínola do cargo de Presidente da República no rescaldo da intentona reacionária de 28 de setembro de 1974.

A demissão de Spínola, a que está associada a derrota da tese federalista para a questão colonial, coloca no centro do debate nacional o modelo económico a adotar pelo país.

O golpe de estado militar de 25 de abril rapidamente dá lugar a uma revolução popular. Retirada a tampa à “panela de pressão” que é a sociedade portuguesa nas vésperas do golpe de Estado, de imediato vários setores da população se lançam na luta em tono de um conjunto diversificado de reivindicações, quer económicas quer políticas. É este impressionante movimento de massas que, aproveitando a inoperacionalidade das forças repressivas do Estado – forças armadas, PSP, GNR e polícia política – vai na rua, conquistar todos os direitos e liberdades que, mais tarde, serão consagrados na Constituição de 1976. É neste movimento revolucionário, naturalmente “pouco respeitoso” em relação aos poderes instituídos e onde os trabalhadores sonham ser possível construir o “céu na terra”, que vão nascer ou renascer os partidos políticos, também eles uma conquista dessa onda revolucionária, que para poderem sobreviver são obrigados a cavalgar o movimento de massas que os gera na esperança de o poderem vir a orientar ou dirigir.

Este movimento revolucionário, que não para de aumentar, num crescendo de radicalização, origina, como não pode deixar de ser, um arrumar de forças quer no interior das forças armadas, quer no seio da sociedade civil.

No MFA (Movimento das Forças Armadas) que após o 28 de setembro se estrutura em diversos órgãos, começam a surgir três fações, cada uma delas portadora de um modelo político-económico mais ou menos bem definido para a sociedade portuguesa. Uma destas fações organiza-se em torno de Vasco Gonçalves, dos oficiais da 5.ª Divisão do Estado-maior General das Forças Armadas e de parte dos oficiais e sargentos da armada. Defendem um modelo socialista de base coletivista e com o decurso do processo revolucionário vão estreitando os laços com o PCP. Outra fação é constituída pela esmagadora maioria dos oficiais do MFA, os quais defendem uma via socialista diferente da preconizada pelo PCP e independente da defendida pelo PS, partido com quem, no entanto, vão convergir à medida que a revolução se vai radicalizando. Uma outra fação é apologista de um socialismo assente nos órgãos populares de base que a revolução vai criando e estrutura-se em torno do COPCON e de Otelo Saraiva Carvalho. Com o decorrer do processo revolucionário este setor político-militar tem o apoio de alguns sectores da extrema-esquerda, casos do PRP (Partido Revolucionário do Proletariado) e da UDP.

É, pois, neste contexto de arrumação de forças no interior do MFA, em resultado da radicalização do movimento de massas, que surge o III Governo Provisório, chefiado por Vasco Gonçalves, cujo programa político, económico e social defende um modelo de desenvolvimento capitalista para o país onde caiba, no entanto, uma forte intervenção do Estado em setores estratégicos da economia e uma posição de independência no plano externo face às duas superpotências da altura: Estados Unidos da América e União Soviética. Subjacente a este programa encontra-se o propósito de favorecer a aliança entre o operariado e as classes médias como forma de amortecimento da fortíssima luta de classes que varre a sociedade portuguesa.

Esta orientação política, económica e social imprimida pelo III Governo Provisório tem, contudo, o efeito contrário ao pretendido. As três fações militares marcam posições e as fronteiras de separação entre elas surgem com contornos cada vez mais nítidos. As divergências agravam-se o que obriga também à clarificação dos partidos políticos face ao evoluir da situação político militar.

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