TEMPOS E HOMENS FRIOS

Como quase sempre acontece por esta altura do ano, as últimas semanas foram marcadas pelas baixas temperaturas, fazendo jus ao velho ditado de que “ande ele por ele por andar, pelo Natal irá chegar”.

Por outro lado, e como se o comum dos mortais não soubesse e isso fosse uma absoluta novidade, as televisões andam numa roda-viva anunciando que “está frio”, e imagine-se, que as temperaturas baixas num qualquer país do norte da Europa, é consequência das “alterações climáticas”. Outra novidade. De facto, nevar na Dinamarca ou na Suécia em janeiro, é para as nossa TVs motivo de abertura de telejornal. Tal como o ano passado, em que, em sentido inverso, uns dias mais amenos, foram por esta altura do ano razão para horas e horas de “especialistas”, em direto, a explicar-nos os pretensos efeitos das ditas “alterações climáticas”, garantindo-nos a pés juntos que o frio jamais voltaria

Mas ele, o frio, aí está novamente. Que o digam os milhares de pessoas sem abrigo. Sobretudo os das nossas cidades e que por esta altura do ano, são também noticia de destaque. Ou melhor, não são bem os sem abrigo, mas sim os piedosos presidentes de câmara, como o de Lisboa, que num gesto que certamente lhe garantirá o céu, abre telejornais informando que, em face das baixas temperaturas, “mandou ativar o Plano de Emergência”.

A explicação do que é o milagroso Plano de Emergência vem a seguir, e que, invariavelmente, ano após ano, passa por fornecer cobertores, uma sopinha e por abrir as Estações de Metro durante a noite. Sim, em pleno Séc. XXI, o que o autarca da principal cidade do país tem para disponibilizar aos sem abrigo perante o frio extremo, é, e em termos de “alojamento”, essas catacumbas urbanas, as estações de metro.

Em muitas dimensões da proteção social não evoluímos nada. Rigorosamente nada. O Alentejo do século passado era calcorreado pelos Malteses. Gente sem eira nem beira, os sem abrigo do mundo rural, que vagueava pelos montes na expetativa de um naco de pão e de um teto. Tenho bem presente na minha memória mais profunda de infância, a chegada ao monte onde então vivia, desses maltrapilhos mendigando uma “açordinha” e uma saca de palha para lhe servir de colchão. O “Nico”, o “Papa Cacholas” e outros que ninguém sabia o verdadeiro nome, dormiam de verão no alpendre no forno e durante o inverno no palheiro. Não havia estações de metro.

Canção do Maltês

Em Cerromaior nasci.

Depois, quando as forças deram

para andar, desci ao largo.

Depois, tomei os caminhos

que havia e mais outros que

depois desses eu sabia.

…/…

Manuel da Fonseca, in Planície, 1941

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