Solidariedades condicionadas

A solidariedade, seja lá o que isso for, é quase sempre condicionada. Isto é, a mesma não resulta de um genuíno sentimento altruísta por parte de quem a pratica, na medida em que pressupõe muitas das vezes algo em contrapartida, como por exemplo reconhecimento social, ou, por vezes, político-partidário.

E isto não é novidade. Desde tempos imemoriais que a secular esmola dispensada a pedintes à porta das igrejas, terá mais a ver com quem a oferece, na medida em que procurará com esse gesto “um lugarzinho no céu”, do que propriamente com o sofrimento de quem a recebe. Ou mais recentemente, a dita “responsabilidade social”, (num enviesamento oportunista do conceito), praticado por muitas empresas, mais não é do que uma estratégia de marketing para promover a venda de produtos ou serviços, assim como, a desculpa para reivindicarem a redução de impostos, nomeadamente sobre as mais valias gigantescas que obtém.

O que é relativamente novo, é a forma como os povos, e de uma forma massiva, são levados a orientar em determinado sentido os seus sentimentos e esforços solidários. Isto a propósito da recente calamidade bíblica que se abateu sobre o sul da Turquia e norte da Síria, onde um terramoto ceifou dezenas de milhares de seres humanos. Ecoam na nossa alma, os gemidos sufocantes dos soterrados e as preces lancinantes de pais, filhos ou irmãos, e que ainda hoje desesperam por ajuda.

O efeito devastador do sismo foi praticamente igual nos dois países. Apesar de tudo, e decorrente do facto da Turquia ser um país organizado e com recursos, permitiu operações de socorro mais rápidas e por vezes bem-sucedidas. Já a Síria, país devastado pela guerra desde 2011, conflito com particular incidência nas regiões do norte e onde muitas cidades já estavam em escombros, levou a que as populações, com recursos de salvamento muito limitados, tenham, e em muitos casos, apenas as suas próprias mãos para remover as autênticas montanhas de inertes em que cidades inteiras se transformaram em segundos.

Acontece que a solidariedade, materializada em equipas de salvamento e bens de primeira necessidade, disponibilizada pelas “democracias liberais”, foi em primeiro lugar, e de uma forma esmagadora, para a Turquia. A Síria, os sírios, as crianças sírias que morreram no terramoto ou depois disso continuam a morrer ao frio e à fome, são, quando são, apenas merecedores de um  apoio residual por parte dos países ocidentais.

Enquanto isso, Israel atacou ontem, dia de 18 de fevereiro, bairros residenciais em Damasco, capital da Síria, havendo notícia de pelo menos 15 mortes. Vi a notícia no EL País. Por cá a questão, e em termos de cobertura noticiosa, foi também ela residual. Afinal, quem atacou foram os israelitas e os que morreram eram sírios. Neste caso, a solidariedade será dispensável.

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