Será isto progresso?

A ideia generalizada de que a humanidade fez progressos assinaláveis no último século, é consensual. Quando se aborda o assunto, pensamos de imediato no que isso representa para a nossa integridade, conforto ou mesmo naqueles avanços inacessíveis ao cidadão comum. Na medicina, na tecnologia automóvel, ou nas tecnologias espaciais que levaram o ser humano à Lua.

No entanto, neste alvor do novo século, em muitos domínios, aquilo que pareciam constituir avanços definitivos, está a decompor-se. No campo dos direitos sociais, por exemplo, o primado maior de William Beveridge, (Inglaterra, 1869 – 1963), de que cabia ao Estado “libertar o homem da incerteza futura”, permitindo que todos quando nascem, partissem, tanto quanto possível, do mesmo ponto de partida por via da intervenção pública nos pilares fundamentais da educação, saúde, habitação e segurança social, (esta última entendida como substituição dos rendimentos do trabalho), foi aos poucos dando lugar ao sacrossanto “empreendedorismo” da responsabilidade individual, na linha do muito liberal pensamento de Nozick (USA, 1938 – 2022) ou Rawls (USA, 1921 – 2002).

O mesmo se poderia dizer dos vínculos laborais, onde a precariedade deixou muitos jovens impossibilitados de sonhar com o futuro. Ou da redução contínua do valor do trabalho nas últimas duas décadas, e que em Portugal, por exemplo, faz com que 11,2% dos pobres, sejam trabalhadores (PORDATA, 2022). Ontem mesmo o INE dava conta, que o salário real dos jovens licenciados caiu em 2022, 6%.

Os progressos sociais e políticos apontados, tinham na base a ideia de que as sociedades haveriam de consolidar-se como sistemas de base humanitária, desde logo de progresso nas condições materiais, mas também no modo como cada um deveria encarar o seu semelhante, foram dando lugar, na Europa e um pouco por todo o ocidente, a sistemas de governação assentes na competitividade egoísta, em que dia após dia, o ódio vai ganhando espaço à tolerância. E esta foi, em muitos países, o maior sinal de progresso, no mais genuíno sentido humanitário do termo.

Aos poucos tudo parece estar virado do avesso. Os discursos nacionalistas vieram colocar em causa décadas de convivência pluriétnica e religiosa. O medo ganha pontos à confiança. A indiferença parece sobrepor-se à indignidade. As recentes imagens desta semana, de um barco, mais um, que naufragou no Mediterrâneo com centenas de homens, mulheres e crianças sírias, é apenas sinal de um mar sem fundo que parece querer arrastar-nos de novo para tempos de total barbárie.

Primeiro inverteu-se o significado de valores maiores como a tolerância. Depois perderam-se direitos sociais, a que se seguirão os políticos e os cívicos. Será isto progresso?

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