Opinião Atual

AFINAL SÃO PESSOAS

Segundo dados oficiais do passado mês de fevereiro, cerca de um quarto das pessoas que tinham falecido em Portugal de SARS COV2, residiam em Lares de Idosos. Na região de Lisboa e Vale do Tejo, esse indicador era de 40%.

Os números são esmagadores, sobretudo se levarmos em linha de conta que no nosso país, em cada 100 idosos, 13 residem nessas estruturas. Os números não são muito diferentes dos que se verificam no continente europeu. Aqui ao lado, na vizinha Espanha, o drama é ainda maior, já que em meados do mês passado, 45% do total de mortos, estavam institucionalizados em lares e equipamentos similares.

A primeira questão que se pode colocar, tem a ver com a frieza com que este morticínio, se tem refletido na opinião publica do nosso país, em particular na comunicação social, e que em regra surge, como se de algo natural se tratasse, sem o mais pequeno sinal de sobressalto cívico que esta expressão da pandemia justificava.

A segunda questão, remete-nos para a necessária reflexão, por que razão estes números atingem estes valores nesses locais, e sobretudo o que importará fazer.

Quanto às causas, as mesmas prendem-se, no essencial, com o facto do perfil tipo do idoso institucionalizado se ter alterado substancialmente nas últimas duas décadas.

Um responsável pela União das Misericórdias referia, há dias, que antes, “os idosos iam para os lares pelo seu próprio pé ou no seu automóvel. Hoje chegam em ambulância, deitados em macas”. Os lares em Portugal foram pensados do ponto de vista arquitetónico, da sua funcionalidade, e sobretudo no seu modelo base de funcionamento, para pessoas autónomas, quando, na realidade, aí residem, maioritariamente, pessoas com elevado défice de autonomia.

Uma segunda razão, tem a ver com a quase fatal asfixia financeira com que a generalidade das IPSS(s) sobrevive, o que naturalmente se reflete nalgumas dimensões do cuidar. Um estudo recente da Universidade Católica em colaboração com a CNIS, evidenciava o que há muito se sabe: “Cerca de dois terços (62%) das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) consideram que as dificuldades financeiras que enfrentam é o desafio mais difícil que têm de enfrentar durante a pandemia”. A este propósito, o Presidente da CNIS referia que “o ideal seria o Estado pagar “no mínimo 50% dos custos das instituições”, mas a realidade “está longe disso, está nos 38%”.

Quanto ao que importa fazer, e numa abordagem muito telegráfica, passa por dois pontos fundamentais. Desde logo, por o Estado assumir aquilo que é a sua responsabilidade, consagrada na Constituição da República, e que muito sub-repticiamente se tem vindo a descartar, “chutando” a questão para a “responsabilidade da sociedade civil”, que em regra tem as “costas largas”, aguentando sem reclamar, tudo o que lhe imputam.

O segundo, por uma reformulação total do figurino das respostas sociais para pessoas idosas em Portugal. Não é possível ter respostas adequadas para as pessoas idosas do século XXI, quando essas respostas apresentam o mesmo modelo de funcionamento que tinham quando foram criadas, como por exemplo os Centros de Dia, ou mesmo os ditos lares, respostas essas que foram estruturadas em Portugal na sua lógica de funcionamento, na última metade do século passado.

O futuro, passará, por um SAD – Serviço de Apoio Domiciliário diferente daquele que agora temos. Mas será essa a resposta do futuro para as pessoas idosas. Afinal são pessoas.

Miguel Bento

Mértola, março de 2021


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