O Terceiro Reich no Baixo Alentejo

Diga-se, como início de crónica, que os céus do Baixo Alentejo foram parte bastante activa para a aviação, tanto para os aliados, quanto para as forças nazis, apesar da neutralidade imprimida pelo governo de Salazar face à II Guerra Mundial. Em 1941, um bombardeiro alemão despenhou-se na Amareleja; outro aterrou de emergência nos arredores de Moura, e em 1942 foi a vez de um avião aliado inglês ter sido obrigado a aterrar nos arredores de Serpa.

No dia 9 de Fevereiro de 1941, justamente no dia em que Mussolini era informado de que reforços alemães estavam a caminho do norte da África para ajudar as forças italianas na Líbia, a 2653 km de distância desse mesmo local, na Herdade de Santa Marta, às portas de Moura, um grupo de camponeses que findava o trabalho na terra, pouco antes das 19:00h, assistia, incrédulo, à aterragem forçada de um avião nazi na herdade de Santa Marta, arredores de Moura.

Tratava-se de um Focke Wulf Fw 200 Condor. Era o mítico quadrimotor monoplano, criado para uso civil mas que, por força da guerra, foi adaptado como bombardeiro, função que desempenhou de forma notável, quando analisados os seus préstimos por ambas as partes em contenda. Depressa os alemães o tornaram especializado no afundamento de navios mercantes. Foi por isso que as tropas britânicas o baptizaram de "Carrasco do Atlântico", devido aos fortes estragos que provocava na sua frota. Era, em princípio, de uma dessas missões, que regressava o avião alemão, quando a avaria o tornou demasiado pesado para se suster nos céus sobre a planície.

Do interior do lendário bombardeiro saíram seis tripulantes. Mesmo com os camponeses por perto, estupefactos, a observarem todas as suas acções, os pilotos alemães depressa cumpriram as ordens do protocolo militar, e lançaram fogo ao aparelho e aos seus documentos. Também as fardas puseram a arder, tendo vestido indumentárias civis que traziam consigo, abandonando o local, pondo-se a caminho da fronteira, com destino às amigas terras de Franco.

Prontamente um fotógrafo acorreu ao local. Zembrano Gomes, um espanhol radicado do lado de cá da fronteira, fez aqueles que são considerados testemunhos fotográficos valiosíssimos sobre esta história. As fotos, essas, e outras, estão reunidas no livro “Zambrano Gomes fotógrafo de Moura”, de Santiago Macias, numa edição da Câmara Municipal de Moura (2000). No mesmo volume estão fotografias do outro avião alemão, caído ali mesmo, apenas 4 meses mais tarde, e também as imagens do funeral da tripulação alemã que não resistiu ao segundo acidente.


De volta ao avião que ardia parcialmente em Santa Marta, e segundo o Jornal de Moura de 15 de Fevereiro de 1941, “os camponeses puderam então aproximar-se do bombardeiro, onde o fogo consumiu apenas uma parte do motor e aparelhagem de bordo”. Armado “duma metralhadora pesada, e de várias metralhadoras ligeiras e tubos lança-torpedos”, o avião mantinha “intactas a fuselagem e as asas, que têm numerosos furos produzidos por balas de metralhadora”.

À época eram insondáveis os motivos de acidente. Contudo, décadas depois, o investigador alemão, e perito em aviação, Günther Ott, conseguiu traçar a rota do Condor, desde a sua origem, até ao seu despenhamento no Distrito de Beja. A publicação do estudo foi feita em 1991, na prestigiada revista alemã Arbeitsgemeinschaft Deutsche Luftfahrthistorik, traduzido livre para português como Grupo de Trabalho da História da Aviação Alemã. Ecos deste estudo foram, ainda, publicados na não menos importante publicação, a revista francesa Le Fana de l’Aviation, sob o título “Les «Condors» au Portugal” (Nr. 263, de 10/1991).

De acordo com texto de Alberto Franco, para o Jornal Alentejo Ilustrado, de 10 de Junho de 2005, Ott garante que o quadrimotor partiu da base de Mérignac, perto de Bordéus, França, às 09:26h, com o objectivo de atingir uma frota inglesa que navegava no Atlântico, com bens alimentares, a cerca de meio milhar de quilómetros a Oeste de Lisboa. Porém, a Defesa Antiaérea da marinha britânica conseguiu alvejar o Condor alemão na asa direita, entre a fuselagem e o motor. Apesar de instável e com uma fuga de combustível nos depósitos da asa atingida, o aparelho ruma a Espanha, para alcançar França, ainda com os quatro motores a funcionar.

Todavia, os danos far-se-iam notar e, pouco tempo depois, o avião perdeu um motor, e logo de seguida mais outro. Com apenas dois motores seria impossível ao pesado aparelho conseguir chegar à base de Bordeaux-Mérignac. Desta forma, o oberleutnant alemão Adam, o primeiro-tenente do avião, recebe ordens para rumar a Sevilha, ou Bilbau. Sevilha era mais perto, a escolha estava feita, mas a ligação através de rádio-controlo com a torre de aviação da Andaluzia não funcionava, o que obrigou as forças nazis a improvisarem novo plano. Pensando estarem já em solo espanhol, os pilotos aterraram o aparelho, com bastante dificuldade, num olival improvisado de pista de aterragem… em Santa Marta.

Lembram-se dos pilotos que fugiram com roupas civis? Os populares prontamente avisaram as autoridades. Estas, compostas pela Unidade de Cavalaria da GNR de Beja, e pelo núcleo local da Legião Portuguesa, percorreram os campos em redor da aterragem, mas não havia sinal dos fugitivos.

Só no dia seguinte os militares das forças nazis foram detidos pelo núcleo de Legionários de Safara, antiga Freguesia de Moura. De imediato procuraram-se soluções para o destino dos militares alemães. A 2ª Companhia do batalhão nº 3 da GNR era da opinião de levá-los para Beja a fim de os entregar ao Comando Militar da cidade. Isto mesmo ficou escrito no relatório do Comando-Geral da GNR, arquivado em Lisboa. Mas, segundo Günther Ott, os alemães acabaram por ficar em Moura, sob condições de prisão bastante especiais. Assim, depois de um bom jantar, os pilotos alemães do Terceiro Reich foram levados para o mais luxuoso hotel da localidade. O Grande Hotel de Moura, antigo convento da Ordem Hospitaleira de São João de Deus, fundado no século XVII, e adaptado para fins turísticos no ano de 1900. Ficaram à vontade, apesar de vigiados de forma pouco comprometida pelas forças da GNR.


No livro Factos Históricos e Curiosidades da Aviação no Concelho de Moura (Ed. C.M.M, 2000), de José António Correia, ficamos a saber que os militares nazis não tiveram dificuldade em se adaptarem ao generoso cárcere proporcionado pelas autoridades portuguesas. Segundo se lê, “ali permaneceram entre 10 a 12 dias, travando contacto com a pequenada, que lhes solicitava chocolates e bolachas, ao que eles acediam”. Contudo, os alemães apenas aguardavam o momento da sua fuga. Dias depois, o Comandante-geral da PSP, Coronel Martins Cameira, dirige carta ao Ministro do Interior, informando da fuga dos alemães: “Tenho a Honra de informar V.Ex.ª que os aviadores alemães ausentaram-se de Moura, em trajo civil, na madrugada de 21, só sendo notada a sua falta às 13 horas do mesmo dia, e suspeitando-se que tenham seguido para a fronteira”.

José António Correia aponta duas possibilidades (pouco elaboradas) sobre esta fuga: ou os alemães dirigiram-se para a costa algarvia, onde embarcaram num submarino alemão que os aguardava, ou, foram conduzidos até à Amareleja pelo alemão responsável pela manutenção do projector de cinema, Alfred Hahn, e dali foram em carro de bois até à localidade raiana espanhola Valencia de Mombuey. Mas é, novamente, o investigador Ott que nos vem trazer alguma luz sobre o episódio da fuga. O responsável pela evasão dos alemães terá sido o Adido do Ar alemão, o General Eckard Krahmer, que viajou até Moura com a missão de resgatar os seus compatriotas. Günther acrescenta, ainda, que a 5 de Março, o primeiro-tenente do avião, Adam, estava de novo aos comandos de um Condor, na base aérea de Bordeaux-Mérignac.

De acordo com a edição já referida do Alentejo Ilustrado, o aparelho foi desarmado pelas OGMA, e transportado para o Depósito de Material Aeronáutico. Felizmente, para a preservação da história, Zembrano Gomes, conhecido fotógrafo de Moura, fez a reportagem fotográfica deste, e de outro Condor também caído no Concelho de Salúquia. Uma nota curiosa relata que Zembrano espalhou pela imprensa regional um anúncio de promoção comercial do seu trabalho, que dizia: “Grande Quadrimotor caído em Moura. Quarto boas fotografias diferentes, do formato 18x18, a 5$00 cada uma”.

Mais histórias de aviões da segunda Grande Guerra no Baixo Alentejo na próxima crónica.

 

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