O porquê dos porquês

Os acontecimentos recentes e repetitivos em sectores sensíveis do panorama nacional, têm criado, à semelhança do que temos visto acontecer noutros países, com maior ou menor grau de influência, um clima de insatisfação, contestação e suspeição relativo a instituições e figuras nacionais de relevo, que, face à sua posição e aos valores sociais que nos regem, seriam, à partida, por nós, colocados acima de qualquer suspeita.

A verdade é que somos, ainda, e apesar de tudo, um povo brando e romântico, sem prejuízo de, por vezes, se nos acender o pavio, esse que tão rapidamente se inflama e queima como se apaga. E é esta dualidade experimentada que nos tranca o pensamento, quantas vezes em becos sem saída, impedindo-nos de distinguir o principal do acessório, eliminando o segundo. Este confronto interno de chama rápida, que nos condiciona a lucidez para pensar de forma crítica, tem sido o alimento do populismo e do radicalismo ideológico sagaz, presente à hora certa no momento exacto, servindo de combustível à labareda inicial. A par disso, é notória a dificuldade com que olhamos e pensamos os acontecimentos de forma crítica, não colocando em causa o que vemos, lemos e ouvimos, numa óptica de afastamento para análise e compreensão naturalmente diferente, consoante a perspectiva e o contexto nacional ou internacional, de acordo com o presente da História. Porque sim, os ingredientes estão todos lá, há anos, mas a ignorância quase sempre se adianta e se apressa.

Certo é que nos é impossível tomar decisões acertadas sobre o que quer que seja que não conhecemos, assim como não nos é legítimo tomar ou não partido de algo sobre qual não se detém real conhecimento. E isto é válido, inclusive, para as avaliações e análises de “especialistas”, não extremistas, mas, por vezes, tendenciosas e pouco transparentes, que possam não ter por base o legítimo conhecimento de causa. Porque pensar que dominamos todos os assuntos e temáticas e que controlamos o ambiente à nossa volta é absolutamente falacioso.


Vivemos na Era virtual e instantânea, onde o rol de informação e conteúdos nos cresce nas mãos e onde os algoritmos estão montados para nos prender e sugar a atenção. Não há tempo para pensar pela própria cabeça nem para filtrar informação, assim como deixamos de estar disponíveis para a importância das percepções e da observação da realidade à nossa volta. Os ecrãs roubam-nos muito, desde o pensamento, à verdade, passando pelo poder de observação.

Porém, a evolução das sociedades não deixa de estar intimamente ligada aos meios de transmissão de informação, sobretudo digitais. Existisse esta capacidade de dissociar o principal do acessório, a verdade da inverdade, a propaganda da informação, a manipulação da fonte segura, a coerência do oportunismo e a sociedade ganharia maior consciência da sua irrelevância, ausência de influência e da sua falta de importância.

No entanto, sucede que as redes sociais colocam-nos a todos no mesmo patamar, igualando-nos, influenciando-nos a seguir as mesmas modas e tendências, desviando a nossa atenção para conteúdos virias pouco idóneos, permitindo que se diga tudo aquilo que se tem absoluta liberdade para dizer, sobrepondo-se esta liberdade à responsabilidade do acto e evitando a discussão de assuntos que importam e impactam a sociedade e que exigem, realmente, ser pensados. É inequívoco o contributo envenenado das redes sociais na uniformização do pensamento.

Isto leva-nos ao ponto seguinte que é o nosso entendimento sobre uma possível crise de valores, que nos parece tão antiga quanto inultrapassável, por ser de abordagem sistemática, mas sobre a qual não temos opinião firme. A verdade é que o conjunto de mudanças velozes e permanentes nos vários sistemas e tecidos sociais, políticos, profissionais, ideológicos e económicos nos afectam, criando um desequilíbrio ao nível do entendimento sobre quais são, efectivamente, os valores pelos quais nos regemos enquanto sociedade.

Será isto uma crise ou uma transformação? Será ela o apanágio da liberdade ou a sua ameaça enquanto sociedade democrática? Talvez nos seja apenas necessário mantê-la sob vigilância, enquanto as mutações vão acontecendo e o que tem que se acertar acerta, para que os valores e pilares fundamentais não cedam, por forma a tentar criar condições para fomentar uma cidadania activa consciente, baseada no conhecimento, na justiça, na solidariedade, na ética, no respeito e na inclusão. E aqui, o ensino assumirá sempre um papel preponderante, uma vez que é através da educação e da promoção da literacia que as sociedades evoluem construtivamente, adquirindo os mecanismos e ferramentas necessárias para lidar e enfrentar a mudança e o desconhecido.

Será, pois, então, verdade que, sobre o que não sabemos não perguntamos, mas será igualmente verdade que por sabermos, de antemão, algumas respostas, não formulamos as devidas perguntas. Porque acaso o fizéssemos, obteríamos as respostas que nos obrigariam a agir sobre a causa e é isso, em geral, que não queremos ou evitamos fazer.

Nas palavras de Valter Hugo Mãe "(...) podemos pensar qualquer atrocidade saindo à rua como se nada fosse, porque nada é. As ideias, meu amigo, são menores nos nossos dias. Não importam. As liberdades também fazem isso, uma não importância do que se pensa, porque parece que já nem é preciso pensar. Sabe, é como não termos sequer de pensar na liberdade. É um dado adquirido (...)"

 

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