O estranho caso do Charuto Acabaçado

A nossa civilização atravessa um ano raro em que a temática OVNI parece ter recrudescido numa segunda vaga de interesse, depois da histeria da segunda metade do séc. passado. Vários acontecimentos em torno do fenómeno extraterrestre estão a animar os crentes na matéria. Segundo o jornal brasileiro O Globo, “a divulgação, pelo Departamento de Defesa norte-americano, de uma série de vídeos de encontros de pilotos militares com OVNIS, levou um grupo de congressistas em Washington a procurar respostas sobre o que as autoridades preferem chamar de Fenómenos Aéreos Não Identificados”. Mas não é só. Em Setembro o planeta assistiu a uma autêntica novela mexicana. Como relata o jornal Observador, o investigador mexicano Jaime Maussan apresentou dois alegados corpos de extraterrestres, com mais de um milénio, na Câmara de Deputados do México.

A propósito de casos famosos relacionados com o fenómeno de vida extraterrestre, relembro a história de um dos avistamentos mais famosos de Portugal: o charuto acabaçado de Ferreira do Alentejo, às portas de Beja.


 

Quase poderia tratar-se de um pastiche da odisseia radiofónica protagonizada por Orson Welles, em 1938, na qual conseguiu enganar milhões de americanos com a sua fábula da chegada de seres extraterrestres ao nosso planeta. O programa foi uma adaptação do romance “A Guerra dos Mundos”, de H. G. Wells, em 1898, e causou pânico em massa nos EUA.

O tema da vida extraterrestre sempre apaixonou a humanidade. Livros, filmes, teorias e crenças acompanham a história do ser humano desde os seus primórdios. Talvez porque tenhamos, como característica da nossa própria existência, a curiosidade científica aliada à necessidade de uma fé extraterrena.

Não sei se algum destes factores ocupava lugar nos pensamentos de Jorge Lota, o pastor, e endireita, de 36 anos que, numa madrugada de 1995, de uma noite quente do Agosto Baixo Alentejano, em vésperas de feriado, dormitava, ao relento, juntamente com o seu rebanho que aproveitava a fresca madrugada para descansar antes da ordenha. Lota alternava o encargo nocturno com o sogro. E esta era sua a noite de estar ao serviço. Escreve o Diário de Notícias que “às duas da madrugada (…) acordou com um som estranho - um zunido - e percebeu que não se conseguia mexer. Ao olhar para o céu, viu um objecto com a forma de um ‘charuto acabaçado’ e que projectava uma luz azul. Ao mesmo tempo, segundo contou, duas luzes alaranjadas movimentavam-se, perto do chão, assustando as cabras.”

O caso foi, também, abordado pela RTP, na série documental sobre o fenómeno OVNI em Portugal no século XX, “Encontros Imediatos”. À equipa de reportagem, Jorge disse que “essas luzes iam ter a esse aparelho e voltavam. Portanto, penso eu, que andassem a pesquisar qualquer coisa. Acompanhavam-se à distância uma à outra (…) penso que sejam sondas, que eu não tenho cultura suficiente para saber mais (…)”.

Partindo dos relatos das testemunhas directamente envolvidas, e apoiado em análises de especialistas de várias disciplinas científicas, a RTP assegurava, em 2008, que a série " oferece uma vista imparcial do fenómeno OVNI em Portugal, a que nem crentes nem cépticos irão ficar indiferentes.” O autor, Joaquim Fernandes, antigo Professor na Universidade Fernando Pessoa, e co-fundador do Centro Transdisciplinar de Estudos da Consciência, começa por contextualizar este caso como “um misto de cultura local, popular e folclórica, com uma cultura urbana que representa uma faceta mais tecnológica dos fenómenos OVNI”.

Regressemos a Ferreira do Alentejo. Imagine-se o pânico de Jorge Lota, que tinha saído para o campo cerca da meia-noite, acompanhado apenas pelos seus fiéis companheiros de quatro patas, naquela que julgava ser mais uma noite tranquila. À TVI, depois de a notícia ter pegado fogo como em pasto seco, Jorge contava que “olhei para cima e vi aquele aparelho estacionado. No ar. Um aparelho grande, em forma de um charuto acabaçado, com a forma de um charuto gordo [em baixo], que depois vai para cima em bico. Acordei e vi aquilo, e pois então, apanhei medo. Apanhei medo, levantei-me e corri para a carrinha, para a pôr a trabalhar, que era para me raspar, que às duas e meia da manhã, uma pessoa em campo aberto tem medo.”

De acordo com o documentário da RTP, o pastor referiu tratar-se de um objecto de 6 a 8 metros, e de cor cinzenta-metalizada. O DN prosseguia: “o pastor agarrou na espingarda que tinha ao seu lado, conseguiu levantar-se e alcançar a sua carrinha, mas ficou surpreendido ao verificar que o motor não arrancava apesar de ter rodado várias vezes a chave de ignição”.

“Apontei a espingarda àquilo” – contou à TVI. “E aquilo rodou para trás. Antes de lhe apontar a espingarda estava a dar umas luzes azuis suaves para mim e para os cães. E quando lhe aponto a espingarda, as luzes vieram com mais intensidade e apontavam à arma e ao braço [que a segurava], assim como que avisando para não fazer aquilo.” Remata ao DN que “acabou por fugir a pé, percorrendo perto de um quilómetro até ao monte de um conhecido, nas redondezas.

Com a história a correr o País, e depois a galgar fronteiras, muitos alegavam cepticismo, dizendo que não podia ser verdade. Que talvez tivesse bebido um copo a mais; que possivelmente não viu bem; que é capaz de ter feito confusão. Mas Jorge Lota não foi o único a observar o estranho fenómeno naquela noite de 14 de Agosto, em plena planície alentejana. Segundo o DN, “as pessoas que estavam no monte também foram testemunhas de uma dessas pequenas luzes que se movimentava rapidamente pelos campos, acabando por desaparecer.”

E também a TVI falou com outras testemunhas, como foi o caso de Joaquim Lota, que afirmou que, à mesma hora, mas noutro local, quando se deslocava de moto para junto do seu rebanho, no campo, a luz era tão forte que “deixei de ver a estrada, subi a barreira, caí e dei cabo do motor da motorizada. Aquilo era um aparelho grande!”.

Estes avistamentos, com a proximidade relatada pelos observadores, de poucos metros, no caso de Jorge Lota, inserem-se na categoria de encontros de segundo grau. Foi o astrofísico Josef Allen Hynek que, em 1972, determinou as várias escalas que tipificam os contactos entre seres humanos e alienígenas. Josef, que tinha trabalhado com a Força Aérea norte-americana entre 1948 e 1969, em projectos relacionados com o fenómeno OVNI nos EUA, deu à estampa o livro “The UFO Experience: A Scientific Inquiry”, no qual categorizou os diferentes níveis de contactos, numa escala que recebeu o nome de Hynek, o seu apelido. De acordo com o cientista, os relatos de Jorge Lota inserem-se na categoria de segundo grau. Ou seja, acontecem quando a nave alienígena teve acção directa em algo ou em alguém, causando interferência física no terreno ou em seres vivos do local.

Isto mesmo relatou o pastor Jorge Lota à TVI, referindo que “o aparelho, ao pé, talvez desviado aí uns dois metros, ou três, de mim, vi eu. Esse, vi-o mesmo ao pé. Aquilo tem luzes amarelas em baixo; saem luzes azuis de lado, e do meio para baixo tem uma janelinha mais ou menos deste tamanho [desenha com os dedos um quadrado com cerca de 30 cm], azulada, também, onde se mexem duas bolas assim [faz dois círculos, com os dedos, que sobem e descem desencontradamente]. Não sei se são olhos, se não, que eu não vi bem, mas mexem-se lá duas coisas assim.

De acordo com o noticiado pelo DN, “perto das cinco horas da manhã, Jorge Lota decidiu voltar para perto do seu rebanho e voltou a avistar o objecto, que agora pairava junto da subestação eléctrica local. De súbito, o objecto acelerou rapidamente e desapareceu no horizonte.” Regressando ao relato do programa da RTP, na noite seguinte, foi o seu sogro, José Carlos, que assistiu ao mesmo fenómeno. Escrevia o Jornal de Ferreira que “falámos com José Carlos, de 65 anos (…) que disse ter avistado ‘aquela coisa’ quando vinha de motorizada para o local onde se encontra o rebanho”.

A produção do documentário da RTP deslocou-se ao local com três especialistas na investigação de fenómenos OVNI para entrevistar Jorge Lota. Toda a sequência dos relatos foi esmiuçada. Cassiano Monteiro, investigador do Centro Transdisciplinar de Estudos da Consciência, relatou que o pastor não parecia ser alguém com informação nem cultura suficientes sobre o fenómeno OVNI, e que indiciava ser uma testemunha sólida. Lota desenhou o objecto no chão, junto ao restolho do campo, com recurso ao seu cajado. Mais tarde fez o reproduziu-o em papel. Já o antropólogo Álvaro Campelo refere que “na busca da explicação do fenómeno, a testemunha procurou dar a máxima de informação. O excesso de pormenores, para ele, é uma espécie de informação precisa.”

Anos mais tarde Jorge Lota falou com a CMTV e os relatos dessa noite foram surpreendentemente mais pormenorizados. Voltou a referir-se à nave, reforçando a teoria do “charuto acabaçado”, acrescentando que era do tamanho de um helicóptero e que produzia o som de uma panela de pressão a ferver. Ao Jornal Público, Lota havia equiparado o aparelho voador ao “tamanho de um camião, desses médios, estacionado no ar”. Mas a maior revelação à CMTV foi o relato da existência de dois alienígenas que saíram da nave e deslocaram-se saltitando (segundo a testemunha era a sua forma de caminhar) até junto de três bidões de água que o pastor armazenava para dar de beber aos animais. Segundo Lota eram dois seres de com cerca de um metro e vinte de altura, parecidos connosco, mas que, para além de mais pequenos, eram “amarrecados”. De seguida os dois seres “entornaram os três bidões de água, fizeram um lameiro e levaram a lama de lá”, para a nave que pairava perto deles. 

Num vídeo de longa duração, entretanto retirado da rede social Youtube, tive a oportunidade de perceber que, depois destes últimos relatos - que elevam o encontro para o nível de terceiro grau na tabela de Hynek, o que implica o avistamento de seres extraterrestres - Jorge Lota nunca mais quis falar sobre o assunto. O pastor decidira contar a verdade que preferira omitir nas primeiras entrevistas, por medo que o acusassem de louco. E isso trouxe-lhe o escárnio e o gozo por parte dos habitantes da vila. Por isso mesmo decidiu resguardar-se, calando para sempre a história do seu avistamento extraterrestre. À RTP, já dizia Lota que “a gente depois não diz mais nada. Aquele mandou-me ir a um psiquiatra; houve quem me tivesse apelidado de bêbado. A gente depois arranja títulos. Bêbados, parvos, enfim. Então a gente depois cala-se com essas coisas…” O antropólogo Álvaro Campelo, da equipa que a RTP levou ao local, explica que “o facto de as pessoas que experimentam determinados tipos de acontecimentos não terem vontade de os explicar, ou terem medo de os comunicar, deve-se a não quererem ser marginalizados pela comunidade onde estão (…) porque correm o risco de serem classificados como marginais por experimentarem visões ou sensações [estranhas] e de serem associados a personalidade doentia”.

Porém, à reportagem da CMTV clarificou, ainda, algumas partes dos seus anteriores relatos. Cerca das duas horas da madrugada, quando descansava perto das cabras (pelas 5 da manhã iria iniciar a sua ordenha, como habitualmente), os cães começaram a ladrar. Pouco depois apareceram as luzes, umas amarelas e outras azuis. “Eu tentei levantar-me, mas não fui capaz. Tinha o corpo paralisado.” O susto fê-lo acreditar que estaria a ser vítima de alguma doença súbita: “Estou vendo luzes e não me consigo mexer… a gente pensa logo em coisas ruins”. Julgou, depois, que talvez lhe quisessem roubar as cabras. E o medo e a adrenalina fizeram-no reagir. “Comecei por conseguir mexer o dedo grande do pé. Assim que o dedo mexeu, consegui, libertar-me daquilo e levantei-me”, explicou Lota ao canal de televisão. Juntamente com a equipa da RTP viajou o neurologista Jorge Figueiredo, que clarificou a paralisia momentânea de Lota, explicando que “o estado de pânico e ansiedade pode provocar um bloqueio neuromuscular, apesar da pessoa se manter consciente”. 

À CMTV Lota repetiu os factos que anteriormente havia relatado, de ter pegado na espingarda e da luz azul que lhe fizeram incidir na arma, mas foi depois disso que relatou o surgimento dos dois seres de formas mais ou menos humanóides, que se aproximaram dos bidões da água dos animais. Terá sido depois deste momento, já com as forças restabelecidas, que Jorge Lota fugiu do local e se dirigiu a um monte próximo, que ficava a umas centenas de metros, “onde morava um rapaz que era o Zé Fresca. Lota disse à RTP que, durante esse trajecto, a “luz azul seguiu-me e apontava com raios azuis direito à espingarda e à mão”. E fui lá pedir ajuda ao rapaz. O rapaz ajudou-me, foi lá comigo e também viu”. 

De acordo com o próprio José Fresca, nem foi preciso afastar-se da soleira da porta do seu monte para, juntamente com a sua mulher e filho, conseguirem observar o fenómeno. Nesse local, Fresca referiu à equipa da RTP que “eu vi aquilo já ali naquela horta que está ali a seguir (…) ao pé das árvores de fruto, e vi aquela luz grande amarela. Vista de cima para baixo, abrangia 3 ou 4 metros no chão. Se eu não visse não acreditava. Nunca tinha visto aquilo na minha vida”. A mulher e o filho confirmaram os mesmos factos à RTP. Segundo Lota, “pouco depois, a luz desapareceu, apagando-se repentinamente”.

Porém, os estranhos acontecimentos não se ficaram por essa noite. Segundo o pastor, “na outra noite, veio um rapaz de Ferreira do Alentejo, também comigo na carrinha, que era o Carlos Bretão, e quando eu vinha para cá - já era aí uma meia-noite - na carrinha, uma luz, dessas amarelas, não era dessas azuladas, veio em cima do taipal da Toyota Hiace, e acompanhou a gente em cima do taipal até à entrada de Ferreira.” Segundo Lota, quando ele ia acompanhado (e foi-o várias vezes, com gente da vila que queria ver de perto o fenómeno) a nave não se aproximava em demasia. Apenas lhe direccionava as luzes. “Mas eles não fazem mal nenhum”, concluiu.

A partir daquele dia, nunca mais o seu Monte do Cardim teve sossego. E não é que fosse um local desconhecido para gente vinda de todos os lados, e até de Espanha. É que a actividade de endireita de Jorge Lota já ganhara fama além-fronteiras. Em 2014 o Diário do Alentejo levou às suas páginas as técnicas do pastor, que lhe valeram a alcunha de “dr.” Jorge e que, segundo o DA, “garante que não recusa ajuda a ninguém sendo que, por esse motivo, mal tem tempo para si. E reforça: ‘Como é que eu posso deixar isto se me aparecem aqui pessoas de todos os sítios do País? Até espanhóis aqui chegam’”. Era, pois, gente boa, o pastor, e também “dr.” Jorge Lota. Acrescentava o DA que “tem o seu rebanho por companhia, mas à sua espera, no monte de barra amarela que se abeira à estrada, perto de Ferreira do Alentejo, já estão umas quantas pessoas, doídas pelas maleitas e desarranjos do corpo. Pelos maus jeitos.”

Às visitas dos seus pacientes, passou o pastor e “dr.” a juntar as dos estudiosos, jornalistas, interessados e curiosos do fenómeno OVNI. Até investigadores norte americanos lá foram falar com ele. À CMTV contou que “os americanos estiverem vendo aquilo lá do lameiro (…), olharam um para o outro, não me disseram nada, mas fizeram assim [fazendo, com a cabeça, um gesto de afirmação convicta]”.

Em Julho de 2019 Jorge Lota faleceu, de paragem cardíaca, em Ferreira do Alentejo. 24 anos depois de jurar ter visto um OVNI com a forma de um charuto acabaçado nos céus do Baixo Alentejo, e menos uns quantos depois de ter contado toda a verdade, que incluía também dois seres alienígenas. As suas convicções; as certezas da sua história; a verdade dos factos... tudo isto partiu com ele.

Jorge Lota não parecia ser o género de pessoa possuidora de informação, conhecimentos, ou sequer interesse ou sobre o fenómeno OVNI. As suas preocupações eram muito mais as terrenas do que atidas com seres vindos de outra galáxia. O pastor, e endireita, tinha ocupações e preocupações mundanas como o seu rebanho, o levar a vida para a frente, ajudar as pessoas a livrarem-se das maleitas do corpo, a sua família, etc. Os seus vizinhos asseguravam tratar-se de pessoa honesta, responsável e de confiança. Maria Helena Durão, que usou o caso para a tese da sua licenciatura em Ciências da Comunicação, corrobora esta ideia. A investigadora declarou à RTP que o pastor não teria nenhum interesse pessoal em mentir acerca daquilo que observou. “Um homem ligado à terra não acorda um dia com a ideia de inventar toda aquela história.”

Como conclusão final deste estudo, a reportagem da RTP, depois de ouvida a principal testemunha, bem como um lote de outras secundárias, determinou o episódio como um “caso que não tem uma explicação definitiva”. Essa conclusão ficará sempre ao sabor do que cada um de nós, seres humanos, quiser acreditar. Estaremos sozinhos no universo? A resposta não é fácil, mas à semelhança do ditado popular espanhol, sobre as bruxas, também com os OVNIS podemos dizer que «No creo en OVNIS, pero que los hay, los hay».

 

 

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