“Malditas sejam as guerras e os canalhas que as decidem”

Faz agora vinte anos que George Bush, então Presidente dos USA, anunciou ao seu país e ao mundo a decisão de invadir o Iraque, sob o pretexto daquele país possuir “armas de destruição maciça”, pseudoargumento que se veio a revelar falso.

 A imprensa ocidental, (à exceção da portuguesa), deu por estes dias significativa cobertura a essa decisão que se veio a revelar fatídica para o povo iraquiano. Na sua edição de domingo, 19 de março, o jornal catalão La Vanguardia dá amplo destaque ao assunto, puxando o mesmo para primeira página, encimada por uma fotografia da tristemente célebre cimeira dos Açores, local escolhido por Bush para se reunir com José Maria Aznar, Tony Blair, tendo como mordomo, o então primeiro-ministro de Portugal, Durão Barroso.

A notícia é depois desenvolvida no interior do jornal, em que sob o título, “Desculpas de mau pagador”, aquele órgão de comunicação social classifica a referida cimeira como o “símbolo da vergonha”, acentuando o facto de três dos quatro envolvidos, nunca ter tido a nobreza de carácter de vir a público pedir inequivocamente desculpas. Apenas Tony Blair o fez.

Portugal e o seu Governo, ficou assim ligado a uma guerra devastadora, que para além da morte direta e indireta de centenas de milhar de iraquianos, deixou um lastro de miséria, um país mergulhado no caos, em que, e passados vinte anos, não se vislumbra qualquer sinal de futuro. O facto da decisão de invadir o Iraque ter acontecido em território português e com a participação do então primeiro-ministro de Portugal, (por isso recompensado com o cargo de Presidente da Comissão Europeia), foi, e do ponto de vista diplomático, uns dos momentos mais tristes da nossa já longa existência como país.

Entretanto o resto da história já é conhecida. Um estudo da credenciada revista Lancet, calcula que só entre março de 2003 e junho de 2006, terão perdido a vida 654 965 iraquianos. Relatórios mais recentes da ONU apontam para cerca de um milhão de mortes até ao final da invasão, entre as quais 4804 militares das tropas ocidentais, na sua esmagadora maioria norte americanos.

Se a brutalidade da guerra na Ucrânia, em que, e também segundo dados da ONU, entre 2014 e fevereiro de 2022 terão morrido cerca de 14000 ucranianos, e depois disso, aproximadamente 9000, e que todos os dias nos entra pelos olhos dentro sob a forma de uma desumanidade aterradora, então, o que aconteceu (e continua a acontecer) no Iraque, é de uma escala de sofrimento fora da compreensão humana.

Em abril de 2003, Julio Anguita Parrado, jornalista espanhol que estava a acompanhar a frente de guerra, foi morto na cobertura de uma batalha. Seu pai, Julio Anguita, conhecido político espanhol já falecido, estava a meio de uma conferência quando alguém lhe segredou o sucedido.  No final da conferência partilhou a notícia e a sua dor com o público, terminando nestes termos: “Malditas sejam as guerras e os canalhas que as decidem”.

Hoje como ontem, a voz de Anguita tem que ecoar. 

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