JURO QUE VI FLORES

Quando entrevistado pelo jornal “Diário de Notícias, no primeiro dia do mês de Dezembro de 2019, o Prof. Adriano Moreira referiu que “nós estamos numa época em que os partidos veem as suas ideologias destroçadas - porque é o que está a acontecer em toda a parte. O que nós temos hoje de ver é que respostas novas vão aparecer.” Observa que o actual combate político-partidário é muito intenso, mas ressalva que, nesta luta, os partidos não podem ousar “partir o eixo da roda”, ou seja, aquilo que constitui o seu núcleo de valores. Este “eixo da roda acompanha a roda, mas não anda.” São as pessoas que o põem em movimento.

Confessava-me ontem um colega que estava cansado de tentar chamar a atenção, sem sucesso, para um determinado problema social, de interesse nacional e politicamente relevante, através das vias às quais conseguia aceder, tidas como isentas, tanto por não terem origem num partido, como pelo próprio não ter filiação partidária.

Porém, por infelicidade, começava a perceber que somente articular interesses se revelava cada vez mais incapaz, quando se pretende alcançar soluções:  assumia que lhe parecia ser tempo de partir para a agregação de interesses, o que é, numa democracia representativa, tipicamente função dos partidos políticos.

Tinha consciência de que, para os partidos políticos – atentos ao ganho de votos e de poder – a afinidade com acções sociais estimulava a sua rede de apoio social, conferindo robustez e autenticidade à sua ideologia e às suas condutas políticas.

Mas acreditava que a identidade e as estratégias activadas e reconhecidas por actores e/ou movimentos sociais poderiam também ser elementos partilhados/activados pelos partidos políticos, aproximando estas duas entidades no sentido de ser viabilizada a realização de objectivos comuns.

Salientava que, nesta relação, não será despiciendo o papel crucial das lideranças sociopartidárias – os líderes do (s) partido (s) e os líderes do (s) movimento (s) –, especialmente no que concerne à essencial tarefa de mediação, reflectida no modelo e na energia ou no vigor da relação entre ambos. Se for respeitosa, numa perspectiva ética, digna e de confiança mútuos, este pode ser o elemento diferenciador, responsável por nutrir e por intensificar a relação ao longo do tempo

Ainda assim e com um toque de desencanto, apelidado por ele como “inocência”, o meu colega prosseguiu o desabafo, dizendo que, ao decidir procurar agregar interesses, verificou que, o que antes admitia como verdadeiro, não era linear.

Partiu do princípio de que, desde que salvaguardada a necessária adequação aos tempos de contexto (as tais “respostas novas”), a interpretação das ideologias e das preocupações materiais pelos partidos políticos – o eixo da roda” – estaria, à partida, sempre protegida. Isto significava que os partidos não pudessem passar a defender causas diferentes daquelas que tivessem estado no seu núcleo de criação, as quais deveriam ser preservadas. Ora, nem sempre é bem assim…

Mas a maior surpresa não veio daí, mas de uma outra variável considerada na equação: apesar de determinadas instituições humanitárias, não governamentais e de utilidade pública, verem os seus órgãos máximos dirigentes nomeados pelo Governo (normalmente sob proposta de um conselho supremo), entendia-as auxiliares do poder político, se bem que autónomas, independentes e isentas, reportando apenas aos princípios que lhes deram origem. Nessa perspectiva - argumentava o meu colega - a contribuição destas organizações para a abordagem e para a discussão de determinados problemas sociais politicamente relevantes deveria estar a montante de qualquer aproveitamento político-partidário, para além de este ser até “desejado”, ou até mesmo, “concretizado”, por um ou outro partido político. Em suma, deveriam ser os problemas sociais, politicamente relevantes a serem colocados em cima da mesa, sem comprometimentos, sem compadrios e sem manigâncias, e a seguir cada partido faria a sua própria interpretação e aproveitamento, à luz do “eixo da sua roda”. Muito para além de quem tivesse a iniciativa de trazer o assunto à praça pública.

«Santa ingenuidade, a minha!»

Com esta exclamação, rematou a conversa. Decerto teria existido uma qualquer “gota de água” que o tivesse acordado, tão de repente, da sua epifania. Perguntei-lhe

«Mas, afinal, o que aconteceu?»

Com um olhar abatido, respondeu-me

«É desgostoso constatar que não apenas os sistemas políticos, mas também os sistemas sociais, tendem a dar prioridade aos “interesses particulares, rótulos, teorias, abstrações e ideologias” acima do bem-estar do povo, tal como foi mencionado pelo Papa Francisco.  Como serão sempre, em todas as circunstâncias, as pessoas a fazer a diferença, o cenário fica ainda mais confuso quando parece que toda a gente está no mercado e tem um preço. E alguns só conhecem a época dos saldos.»


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