DOISMAIODOISMILVINTEDOIS

1.       Hoje Maria de Jesus Barroso completaria 97 anos. Nos últimos anos tenho visto partir várias pessoas que se cruzaram comigo, inicialmente, por razões profissionais, mas com quem acabei por criar laços de Amizade. Pessoas admiráveis, que acrescentaram ao meu mundo. Assim mesmo, ao perdê-las, fico diminuída, mais pobre. E essa pobreza acentua-se: tenho a sensação que é cada vez mais difícil cruzar-me com gente extra-ordinária. Problema meu, decerto!

2.       De volta à leccionação em pleno, deparo-me com jovens estudantes do ensino superior com pouco (cada vez menos) espírito crítico.  O espírito crítico nasce da curiosidade, da inquietação, da necessidade de fazer perguntas, que levem à reflexão, de encontrar respostas e, por conseguinte, à formação de opinião. Sem dúvida que os professores têm uma quota parte de responsabilidade. Mas não são os únicos. Tal como para dançar o tango são precisos dois, também para alterar esta situação há que existir uma concertação de vontades: de um lado, o jovem estudante, “o aprendiz”; do outro, os vários actores que com ele se cruzam, tantas vezes acidentalmente, e que o ajudam a levar a bom porto esta hercúlea tarefa: ganhar conhecimento=ganhar mundo.

3.       Ainda sobre o espírito crítico (ou a falta dele): o jovem estudante não pode ser apenas o “protagonista” da sua formação porque raramente estará preparado para isso. A autonomia intelectual resulta de um caminho árduo e longo, passa por colocar questões sobre si mesmo e sobre o mundo onde vive, por uma incontornável “conversa” com os clássicos, por estar a par do que se passa à sua volta, hoje e agora. E, last but not least, carece de uma certa estética – ou estilo –, que resulta em grande parte e em particular num primeiro momento, da imitação de exemplos considerados marcantes e de excepção, e que será, ao longo do tempo e com a devida maturidade, apurada, e tornada única naquele peculiar indivíduo.

4.       Sócrates, apelidado de “a mosca de Atenas”, dedicou a sua vida à busca e à partilha do conhecimento, fazendo uso do conhecido método socrático (ironia+maiêutica). A sua missão era provocar as pessoas e fazê-las despertar, estimulando a reflexão. Como incomodava, inclusivamente os medíocres instalados, foi acumulando inimigos. A dada altura foi acusado de provocar a ordem pública e de corromper os jovens. Persistente na sua tese e defensor de que “a vida irreflectida não vale a pena ser vivida”, restou-lhe beber um cálice de cicuta. Moral da estória: Sócrates queria acordar as pessoas, mas queria isso sozinho pois, na verdade, as pessoas preferiam continuar a dormir. Pela sua ousadia, pagou com a vida!

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