Desigualdades em tempo de escolhas

Os últimos indicadores sociais disponibilizados espelham aquilo que se suspeitava a “olho nu”: As desigualdades, de que a pobreza é a sua principal expressão, aumentaram com a pandemia.

Por outras palavras, em tempos de crise, (seja lá isso o que isso for), os extratos da população mais fragilizados economicamente são sempre os que mais sofrem. Há muito que o país encontrou um adágio popular para traduzir essa dura realidade, com a conhecido expressão, “quando o mar bate na rocha, quem se lixa é o mexilhão”.

A ideia simplista, de que no contexto da pandemia SARS COV2, “estamos todos no mesmo barco”, é falsa. Quando muito estaremos todos no mesmo mar, certamente no mesmo mundo. Mas as condições de uns para prevenir, tratar e vencer a doença é incomensuravelmente menor do que a de outros. São sobretudo os mais pobres que têm profissões onde não é possível recorrer ao teletrabalho, que têm piores condições habitacionais para isolamento profilático ou que são obrigados a recorrer a transportes públicos.

Por outro lado, está também por demonstrar, (esse é um exercício a fazer daqui a dois anos), que a pandemia tenha sido a principal causa para a subida de alguns indicadores sociais. Eventualmente, e no caso português, o abrandamento na dinâmica redistributiva e reguladora do Estado, pode também ter contribuído para isso.

Custa a perceber, desde logo por razões humanitárias, que indicadores como a Privação Material Severa, que mede a percentagem da população que não consegue aceder a 7 itens de um conjunto de 13 devido a dificuldades económicas, tenha sido dos que mais tenha subido. De facto, entre 2020 e 2021, esse valor subiu de 5,4% para 6,0%, o que equivale a dizer que no ano passado mais de meio milhão de portugueses não teve, e citando apenas dois dos treze itens, “Capacidade para ter uma refeição de carne ou de peixe (ou equivalente vegetariano), pelo menos de 2 em 2 dias”, ou “manter a casa adequadamente aquecida”.

Outro dado que assusta e deve merecer indignação, é a persistência de subida dos trabalhadores pobres. Segundo o Relatório de 2021 do Observatório da Luta contra a Pobreza, no nosso país, 9,5% dos trabalhadores estão em situação de pobreza, sendo que o “Risco de pobreza dos trabalhadores com contrato de trabalho permanente (6.1%) continua também superior aos resultados dos inquéritos entre 2009 e 2014”.

Vivemos um tempo em que vamos escolher quem nos governará nos próximos anos. Se estivermos atentos, poderemos constatar que o debate politico central se resume ao papel, maior ou menor, (nalguns projetos quase inexistente), que o Estado deve ter na redistribuição da riqueza produzida. A direita quer-nos fazer acreditar que o “busílis” da questão está na produção. Eu acho que que não: está e sempre estará, na distribuição, pois a riqueza produzida no país é injustamente partilhada. O indicador que mede a desigualdade na distribuição de rendimentos entre as pessoas num determinado país, o Coeficiente de Gini, aumentou em Portugal de 31,2 em 2019, para 33 em 2020. Na Europa Comunitária, e segundo dados de 2018, Portugal era o quinto pior país a dividir a riqueza, com 31,9.

Poderemos, pois, precisar de melhor Estado. Não necessariamente de menos Estado. Seguramente continuamos a precisar de um Estado mais regulador das desigualdades. 

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