DA MODERNIDADE E DA TRADIÇÃO

No próximo dia 4 de Fevereiro, na Casa do Alentejo (Lisboa), será feito o lançamento do livro MÁGICOS DA VIOLA CAMPANIÇA – PEDRO MESTRE, do qual sou autora. Esta actividade está integrada no projecto designado “Cante de Improviso com Viola Campaniça”, enquadrado na Cátedra em Etnobotânica e Salvaguarda do Património de Origem Vegetal instituída pela UNESCO, no Instituto Politécnico de Beja, em Janeiro de 2023. Pretende-se que este seja o primeiro de uma colecção de opúsculos, apontamentos/registos para a história da viola campaniça, centrados em pessoas, vivas, cujo saber é um contributo inestimável para a herança cultural relacionada com este instrumento musical.

A este propósito, no contexto de uma entrevista, perguntaram-me a opinião quanto ao facto de a perda de biodiversidade - no seu sentido mais lato, percebendo-se aqui também a biodiversidade cultural – ser capaz de propiciar o desaparecimento de algumas práticas e objectos culturais, distintivos do Baixo Alentejo, de entre os quais, a viola campaniça.

Isto remete-nos para a “velha” questão da modernidade versus a tradição, em contexto cultural: que equilíbrio?

Muito se fala e se escreve sobre isto. Sobressaem normalmente duas posições: em síntese, os adeptos da “modernidade” defendem há que estar atento às mudanças contextuais e promover a adaptação, mesmo que isso signifique, de algum modo e no limite, desconstruir a identidade, o que, a seu ver, significa reconstruí-la; os defensores da “tradição” aludem que preservar a tradição não é sinónimo de viver no passado, nem de recusar aquilo que é novo. Ao invés, é encontrar, no que outros fizeram antes de nós, tanto a inspiração para fazer melhor no presente, como a sensatez para perceber quando o que é novo deve ser adoptado e disseminado ou, pura e simplesmente, rejeitado.

Tal como tive oportunidade de responder “não considero que, em qualquer caso, a «modernização» reclame a abolição das tradições, tal como não me parece que exista um destino fatal atribuído aos grupos tradicionais que os leve à sua exclusão da modernidade”. A permanente criação de novos sentidos e de novas referências culturais, na construção das identidades contemporâneas faz-se, a meu ver, envolvendo os actores e os agentes, de forma articulada e encadeada, salvaguardando os suportes materiais e a imaterialidade que se deseja que os mesmos reflictam. Contudo, há que estar alerta ao facto de que, em prol da “modernidade”, é fácil sucumbir à tentação de transformar algo popular e tradicional, num produto da indústria cultural, escravo dos ditames da economia e que, por isso mesmo, corra o risco de se descaracterizar.

Já que vivemos em democracia e ciente de que não existem verdades absolutas, atrevo-me a acrescentar um terceiro caminho, uma terceira opção: uma renovação desamarrada, baseada na harmonização entre elementos tradicionais e elementos modernos. Salvaguardando algo que é, para mim, essencial:  uma certa parcimónia que permita distinguir a originalidade, da excentricidade, do “novo” que se quer apresentar. As questões que se colocam a seguir são, por exemplo: Quem é que faz essa distinção? Com base em quê, como e com que finalidade? Bem, mas isso “são outros quinhentos”!

Alargando esta reflexão à expressão artística e às suas manifestações, entendidas na generalidade, corroboro Pessoa quando refere que um artista se define pela sua originalidade – podendo esta ser relativa ao pensamento, ao modo de manifestar esse pensamento ou ao modo de manifestar essa manifestação -, pela sua construtividade – quando consegue colocar o público, as pessoas,  como protagonistas na criação dos espaços construtivos - e pelo seu poder de sugestão o que, nas suas palavras, não deve ser confundido “com «compreensibilidade», [tal como] importa não confundir perspicuidade com clareza. Sobre confusões destas assenta o erro que sempre houve, da parte das pessoas de escassa sensibilidade, na crítica aos poetas simbolistas e decadentes — todos aqueles que, no seu pleníssimo direito, foram perspícuos sem serem claros.”

Hoje surgem por todo o lado, com as mais variadas origens, manifestações que se intitulam “artísticas”, algumas delas de profissionais conhecidos na praça, que são meros exercícios de apenas “querer fazer diferente”, se bem que o façam entendendo que “estão a inovar”.  Para além de qualquer teoria do gosto, convenhamos que existem “coisas” que são…  vá lá, estranhas. Mas o facto é que têm público. E se têm público, significa que despertam a atenção, o interesse e o desejo de serem vistas/ouvidas/sentidas. Logo… são para continuar! Este é o raciocínio, certo?

Para finalizar, optei por deixar aqui um registo de 2011 que é também uma homenagem ao “último «mestre» da velha geração de tocadores de viola campaniça”, Manuel Bento, falecido quatro anos depois. Podemos vê-lo e ouvir a voz da sua viola, a tocar com o seu pupilo, Pedro Mestre.


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