(BAIXO) ALENTEJO REVISITED

A propósito de um conjunto de trabalhos artísticos que se realizaram no Baixo Alentejo, deram-me a conhecer uma opinião desfavorável, assumidamente popular… fundada no continuado recurso a estereótipos relacionados com esta região (de que o campo, a ceifeira e o vinho são exemplos). Segundo o crítico, alimentam uma visão passadista, de uma região parada no tempo. “Mais um argumento fácil, populista até.” – pensei, considerando que o populismo apresenta uma visão do mundo dividido entre as elites (que ocupam o poder) e o povo, entendido como uma unidade de uma única vontade, onde os factos e o conhecimento são desvalorizados. 

Seja pela circunstância de a palavra “populismo” estar na moda, ou pelo que for, apercebo-me que, de forma crescente e em múltiplos contextos, são também mais as pessoas que sustentam pontos de vista com meros lugares-comuns. Não obstante, classificam-se inquietos. Manifestam essa sua presumível inquietude no elencar de (velhos) problemas… e esquecem (saiba-se lá a razão) rasgos de putativas acções-soluções (quem, o quê, como, onde, quando, quanto). Deste jeito vai-se consolidando a cultura de mandar umas “bocas para o ar” sobre tudo e sobre todos, cada um a falar por todos, aparentemente dono de uma verdade universal: a sua. Chegado aqui, pensará eventualmente o caro leitor: «São opiniões!» Talvez sejam. Assaz superficiais! Para formar opinião há que coligir informação, confrontar factos, ponderar… ter e alimentar espírito crítico! Implica tempo e dedicação. Conhecimento. Descobrir respostas a velhos e a novos problemas – fáceis e papagueadas, ou mais profundas e mais reflectidas - constitui a matéria-prima que cada um, legitimamente escolhe, para esculpir a sua opinião. 

De volta ao caso inicial, algumas notas para a sua contextualização, a serem aproveitadas para reflexão ou simplesmente ignoradas:

    1. As generalizações - todos no mesmo nível, todos no mesmo patamar - aportam riscos. De injustiça, por exemplo;

   2. O ser humano, enquanto indivíduo e enquanto entidade colectiva e social, tem memória, o que lhe permite conservar, recordar, reproduzir experiências e conhecimentos aprendidos. De entre um largo espectro de possibilidades, existem trabalhos artísticos e culturais que se constituem como um reviver de memórias, de tradições, com vista a (re) lembrar e a (re) valorizar aspectos determinantes para a estruturação da identidade de uma região, assumindo-se como um contributo para a preservação dessas mesmas memórias. Nesta perspectiva, serão estes trabalhos passadistas? Talvez. Revivalistas, não;

   3. Esta região está parada no tempo? Diria que não. A título de exemplo, a partir do final dos anos 90, com o início da construção do Empreendimento Fins Múltiplos de Alqueva, passou a ser gradualmente disponibilizado o acesso a água em áreas infraestruturadas, o que gerou novas oportunidades para os agricultores: o olival é hoje o símbolo da nova agricultura de regadio desta região. Aumentou o número de produtores de vinho, cresceu também a sua qualidade mundialmente reconhecida, o turismo associado à pluriactividade dos agricultores sofreu um forte incremento. Contudo, passados pouco mais de vinte anos, o (Baixo) Alentejo continua com carências em termos de pessoas, empresas (poucos empregos), massa crítica. Por conseguinte, para reverter esta situação, haverá trabalho por fazer. Que surjam, pois, ideias “frescas” (acompanhadas das tais acções/soluções);

    4. Mas não será então que o uso de determinados estereótipos, com forte ligação ao passado, irá alimentar, erroneamente, a visão de uma região parada no tempo? Não me parece que assim seja. “Lisboa diverte-se, o Porto trabalha, Coimbra estuda, Braga reza”. Esta simplificação, esta expressão mnemónica resume a identidade, no caso, das cidades, a um estereótipo criado a partir da escolha de características marcantes de cada uma dessas cidades. Por um lado, enunciam as suas qualidades, pretensiosamente únicas, impedindo que se confundam com outras cidades, o que facilita o seu reconhecimento imediato; por outro lado, oferecem uma visão extremada, simplista e distorcida. Mas, pelo seu grau de familiaridade e de difusão social, ajudam a projectar modelos e representações que orientam os comportamentos e os valores atribuídos à identidade do grupo, tornando-se reconhecíveis. Em teoria e de forma despretensiosa, as imagens dos lugares podem ser do tipo orgânico - evoluindo através da reprodução de clichés – ou do tipo induzido - resultado das transformações ocorridas nas paisagens físicas e na estrutura social e económica dos espaços, da requalificação desses espaços, da organização e da promoção de eventos culturais, das experiências de cada um, do empenho da publicidade e do interesse dos media. Logo, do ponto de vista da formação da imagem, o recurso aos estereótipos do campo, da ceifeira e do vinho, alimenta a imagem orgânica da região, aquela que a história já fixou;

    5. Mas isso não representa o (Baixo) Alentejo de hoje, pode-se argumentar. Deliberadamente, não representa;

    6. Gosta-se ou não se gosta… Isso são “outros quinhentos”: recomendo uma visita pela teoria do gosto de Pierre Bourdieu. 

 


Imagem: http://ww3.aeje.pt/avcultur/avcultur/postais/AlentejoPost01BR.htm

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