AS PRIMEIRAS OCUPAÇÕES DE TERRAS NO DISTRITO DE BEJA (II)

A AGUDIZAÇÃO DOS CONFLITOS NOS CAMPOS

As ações de descapitalização das explorações agrícolas, protagonizadas pelos grandes proprietários alvo de distribuição de trabalhadores, obrigam o Estado a intervir nessas explorações nomeando gestor público. A primeira dessas intervenções acontece no monte do Outeiro, de Gomes Palma, situada na freguesia de Santa Vitória. concelho de Beja, sendo o gestor público indicado o regente agrícola António Manuel Romana Martins.

Esta intervenção do Estado é importante na medida em que faz criar na consciência dos trabalhadores temporários a convicção de que a resolução do desemprego está associada à expropriação do latifúndio e à realização da reforma agrária.

Assim, na segunda assembleia de delegados do sindicato agrícola do distrito de Beja, realizada a 26 de janeiro de 1975 nesta cidade, onde se juntam representantes de 72 freguesias do distrito, estes aprovam, pela primeira, vez uma moção exigindo a imediata expropriação do latifúndio e a realização da reforma agrária, mais aí se decidindo que a partir daquela data os trabalhadores iriam trabalhar para as propriedades agrícolas mal exploradas e se os agricultores não pagassem o salário no final da semana ocupariam essas propriedades.  

Com o objetivo de divulgar estas resoluções e obter apoio para elas, dia 2 de fevereiro o sindicato organiza, em Beja, uma manifestação / comício onde, segundo o Diário do Alentejo do dia seguinte, estão presentes cerca de 20 mil pessoas. José Mestre Soeiro, presidente do sindicato agrícola do distrito de Beja, caracterizando a situação refere terem os trabalhadores “passado ao ataque [tomando] a decisão de exercer uma vigilância implacável contra os sabotadores, visando a defesa do (…) direito ao trabalho”.

Com os trabalhadores colocados nas herdades, resultado da pressão exercida por cerca de 14 mil assalariados rurais temporários – 4 mil homens e 10 mil mulheres - , o não pagamento de salários aos trabalhadores distribuídos e os atos de sabotagem económica praticados pelos agricultores tendem a generalizar-se, o que obriga o Estado a voltar a intervir, neste segundo caso na exploração agrícola Donas Maria, situada na freguesia de Santo Aleixo da Restauração, concelho de Moura, explorada pelo rendeiro Francisco Gonçalves da Cruz, nomeando como gestor público Manuel António Morgado Leão (resolução do Conselho de Ministros de 19/02/1975).


É neste quadro de radicalização da luta nos campos do distrito de Beja que surge a tentativa derrotada de golpe militar de direita, a 11 de março de 1975, de que resulta uma guinada à esquerda no país com a constituição do Conselho da Revolução e a institucionalização do MFA (Movimento das Forças Armadas). Assim, o Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas do Distrito de Beja, no seguimento das eleições para novos corpos gerentes, realizada a 9 de março, convoca a terceira assembleia de delegados para dia 16 onde se aprovam duas moções. Uma exigindo o afastamento de Alfredo Esteves Belo de Secretário de Estado da Agricultura e outra onde se refere que “as medidas antimonopolistas não podem parar com a nacionalização da Banca e das companhias de seguros. Também as explorações agrícolas onde se verificou sabotagem económica devem ser expropriadas de imediato dando-se início à reforma agrária única solução para os graves problemas do setor agrícola do país”.

A 13 de abril, nas vésperas do Conselho de Ministros do IV Governo Provisório, que tinha tomado posse a 26 de março, onde é aprovado “as bases gerais dos programas de medidas económicas de emergência”, que no seu anexo 3 se prevê um conjunto de medidas destinadas à concretização da reforma agrária, realiza-se, em Beja, uma enorme manifestação onde participam milhares de pessoas convocada pelo sindicato agrícola e que tem o apoio do MDP, PS e PCP.

Nesta manifestação onde são oradores Francisco da Ascensão Baptista e Manuel Godinho Tagarroso pelo sindicato, António Machado, em representação da Intersindical, o tenente Manuel Coelho, do Regimento de Infantaria 3, em nome do MFA, e o Governador Civil, major Brissos de Carvalho é aprovada nova moção onde se exige, mais uma vez, a expropriação dos grandes latifúndios e a realização da reforma agrária, bem como um esquema único e geral da Previdência para todos os trabalhadores agrícolas.

Continua     

O texto segue de perto Constantino Piçarra, As Ocupações de Terras no Distrito de Beja, 1974-1975, Almedina, Coimbra, 2008.

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