AS ESQUERDAS RADICAIS NO DISTRITO DE BEJA (IV)
O APARECIMENTO DOS GRUPOS MARXISTAS – LENINISTAS (1)
Como vimos no texto anterior, a URML – União Revolucionária Marxista Leninista –, o CARP (M-L) – Comité de Apoio à Reconstrução do Partido (Marxista-Leninista) e os CCRML – Comités Comunistas Revolucionários Marxistas Leninistas, antes de se fundirem, em abril de 1975, na ORPC (M-L) – Organização para a Reconstrução do Partido Comunista (Marxista-Leninista) criam, em 1974, a UDP – União Democrática Popular – como organização frentista e de massas destas três organizações comunistas, o que já anuncia a fusão destas numa só, como veio a acontecer. Como também já vimos a UDP disputa, pelo círculo de Beja, as eleições para a Assembleia Constituinte de 25 de abril de 1975, a qual tem como grande referência moral e ético nesta cidade António Linhaça, natural da Boavista, operário da Metalúrgica Alentejana e poeta, qualidade em que, mais tarde, é um dos fundadores da Associação de Escritores do Sul, juntamente com Martinho Marques e Pires Campaniço.
Com a fundação do PCP (R), em 27 de dezembro de 1975, a UDP não se extingue, passando a funcionar como frente de massas deste partido, sendo a organização da esquerda radical com maior implantação em Beja, no concelho e no distrito não só durante o processo revolucionário, período em que rivaliza com o MES (Movimento da Esquerda Socialista) em apoio popular e organização, mas também, e sobretudo, na fase de consolidação da democracia após 1976.
A UDP é fundada em 1974, mas é em 1975 que se implanta e organiza em Beja, ano em que já possui núcleos no Bairro da Esperança, Beja, (fevereiro), na cidade (abril), em Baleizão (junho), em Serpa (julho), em Pias (novembro) e na Nossa Senhora das Neves, Beja, os quais têm como órgão coordenador uma Comissão Distrital.
Com esta estrutura organizativa a UDP está na luta dos estudantes do Liceu Nacional de Beja, em 1975, hegemonizando o Comité de Greve. Está presente no setor da construção civil onde a delegação de Beja do sindicato é controlada pelo CMLP – Comité Marxista Leninista Português –, apesar de partilhar a direção com elementos do PCP, o que permite a esta linha da esquerda radical liderar a greve da construção civil, em Beja, de novembro de 1975, pela assinatura do novo contrato coletivo de trabalho, que, em Lisboa, culmina, dia 12, no cerco à Assembleia Constituinte onde os deputados são impedidos de sair do Palácio de S. Bento durante 36 horas.
Dotada desta mínima organização, a UDP, em 1975, avança para a conquista de base social de apoio popular, privilegiando o operariado bejense enquadrado em pequenas e médias oficinas, uma vez que a grande indústria se encontra ausente da cidade. A constituição de núcleos de empresa que possam influenciar politicamente as comissões de trabalhadores, que despontam nesses núcleos empresariais de pequena e média dimensão logo a seguir ao 25 de abril de 1974, é o objetivo desta formação política que não tem capacidade para disputar ao PCP a influência hegemónica que este partido detém nos sindicatos. A publicação do boletim “O Farol”, do núcleo de empresas da UDP na cidade de Beja, é um bom exemplo da implantação crescente deste partido junto da classe operária da cidade.
Para além das comissões de trabalhadores a outra frente de trabalho político privilegiada pela UDP são as comissões de moradores que surgem também logo a seguir a abril de 1974 nos bairros pobres de Beja como o Pelame, Boa Esperança e Apariça, onde a UDP e as outras forças políticas que a acompanham nesta frente de luta, caso do PUP / CMLP, MES e PRP (BR) – Partido Revolucionário do Proletariado (Brigadas Revolucionárias), defendem uma ação muito diferente da preconizada pelo MDP / CDE e PCP. Enquanto estas formações políticas e com elas o Governador Civil, Major Brissos de Carvalho, atribuem às comissões de moradores o papel de desenvolverem uma “actividade em íntima ligação com as câmaras, juntas de freguesia e MFA (2), a UDP e as outras organizações da esquerda radical citadas entendem as comissões de moradores, bem como as comissões de trabalhadores, como órgãos de contrapoder em relação ao Estado Burguês, as quais têm como objetivo “a construção do Poder Popular, avançando para a revolução socialista, preparando os trabalhadores para a tomada do poder a todos os níveis” (3).
(1) - Este texto segue de perto PIÇARRA, Constantino, “As esquerdas radicais no distrito de Beja no decurso do processo revolucionário, 1974-1976”, In FERREIRA, Ana Sofia, MADEIRA, João, (Coord.) As Esquerdas Radicais Ibéricas Entre a Ditadura e a Democracia, Edições Colibri, 2020, pp 191-207.
(2) Cf. Comunicado da Comissão Concelhia de Beja do PCP, de 09/07/1975. Arquivo da UDP do distrito de Beja.
(3) Cf. Proposta de Trabalho Apresentada pelo Secretariado à Inter-Comissões de Moradores de Beja. De 17/10/1975. Arquivo da UDP do distrito de Beja.