AS ESQUERDAS RADICAIS NO DISTRITO DE BEJA (II)

O APARECIMENTO DOS GRUPOS MARXISTAS-LENINISTAS (1)

Um dos grupos marxistas-leninistas que se afirma imediatamente a seguir a Abril de 1974 é o CAV (Comité Alentejo Vermelho), célula de cinco pessoas, constituído em Baleizão, em 1969, organicamente à margem do movimento m-l e em cuja formação ideológica tem um peso decisivo, segundo depoimento de António Palminha, um dos membros da célula, o artigo “À esquerda de Cunhal todos gatos são pardos”, publicado no “Viva o Comunismo”, órgão dos CCRML (Comités Comunistas Revolucionários Marxistas-Leninistas) que, mais tarde, é uma das organizações que dá origem à UDP (União Democrática Popular).

O CAV, com influência junto da juventude de Baleizão que, por sua vez, se organiza em torno da sociedade recreativa e do clube de futebol local, após Abril de 1974 e enquanto tem vida autónoma, ou seja, até se integrar, em fevereiro de 1975, na célula de Baleizão do CARP m-l (Comité de Apoio à Reconstrução do Partido marxista-leninista), desenvolve uma atividade política que se pode sintetizar em três vertentes: a) Manter viva a memória de Catarina Eufémia assassinada pelo tenente Carrajola da GNR, a 19 de maio de 1954, numa herdade de Fernando Nunes Ribeiro, Governador Civil de Beja à data do 25 de Abril de 1974, apelando ao julgamento dos responsáveis pelo seu assassinato; b) Mobilizar os assalariados rurais para a luta em torno de melhores condições de vida; c) Lutar pela liberdade do tratorista José Diogo, responsabilizado pelo homicídio do grande proprietário agrícola e ex-presidente da Câmara Municipal de Castro Verde nas décadas de 1940 e 1950, Columbano Líbano Monteiro. 

Quanto ao primeiro aspeto, o CAV tenta organizar, em 19 de maio de 1974, uma homenagem a Catarina Eufémia, no âmbito da qual pretende conduzir o povo de Baleizão á ocupação da herdade onde esta tinha sido assassinada. Este intento, contudo, não se concretiza uma vez que o PCP, através do MDM (Movimento Democrático das Mulheres), marca para esta data uma homenagem nacional a esta assalariada rural alentejana que atrai milhares de pessoas.

De entre a ação do CAV no contexto da sua segunda vertente de atuação – mobilizar os assalariados rurais para a luta em torno de melhores condições de vida – destaca-se o plenário do povo de Baleizão, realizado a 15 de maio de 1974, na Casa do Povo, onde se juntam, segundo o Diário de Lisboa do dia seguinte, cerca de 500 trabalhadores. Aqui se decide ocupar a Casa do Povo, o que acontece, eleger uma comissão pró-sindicato dos trabalhadores rurais, o que é  feito na altura, tendo como sede a Casa do Povo ocupada, e aprovar um caderno reivindicativo dos trabalhadores agrícolas assentes nos seguintes seis pontos: 1 – Salário mínimo de 6 000 escudos mensais pagos aos mês e não à semana; 2 – 40 horas semanais de trabalho distribuídos por cinco dias da semana; 3 -  Subsídio de férias; 4 -  13.º mês; 5 – Reforma aos 55 anos; 6 -  Controle da escrita das casas da lavoura pelos trabalhadores através do sindicato. 

O Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas do Distrito de Beja, impulsionado pelo PCP, que surge mais tarde a partir da Comissão Pró-Sindicato da Freguesia de Pias, isola este movimento promovido pelo CAV, apelidando-o de radical e esquerdista.

Sem estrutura organizativa no campo, o CAV, de junho de 1974 a fevereiro de 1975, dedica-se em exclusivo à agitação e propaganda junto dos assalariados rurais, o que faz através da publicação e distribuição de sete comunicados por todo o Baixo Alentejo onde se abordam temáticas como o caderno reivindicativo dos trabalhadores agrícolas, a expropriação dos latifúndios e a realização da reforma agrária. 

A terceira vertente da ação do CAV prende-se com a luta pela libertação do tratorista José Diogo que após ter esfaqueado Columbano, de que resulta a morte deste, é preso e acusado de homicídio. Perante o silêncio do PCP e do sindicato agrícola, a quem José Diogo se dirige a pedir apoio, O CAV assume a sua defesa, envolvendo nisso a UDP, o PUP, a FEC (M-L) a AEPPA (Associação de Ex-Presos Políticos Antifascistas) e o GAC (Grupo de Ação Cultural “Vozes na Luta”.

(1)    Este texto segue de perto PIÇARRA, Constantino, “As esquerdas radicais no distrito de Beja no decurso do processo revolucionário, 1974-1976”, In FERREIRA, Ana Sofia, MADEIRA, João (coord.), As Esquerdas Radicais Ibéricas Entre a Ditadura e a Democracia, Edições Colibri, 2020, pp 191-207.

 

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