As Correções

“Quando no nosso viver em sociedade tudo entra num caos aparente, se fende , racha e se desfaz, a História mostra-nos que neste tipo de ecossistemas, os totalitários estão como peixe na água.” Diz Juan Soto Ivars no seu último ensaio “La Casa del Ahorcado”, como os tabus asfixiam as democracias ocidentais,(Debate, 2021).

Tal como o puritanismo vitoriano, este de cariz religioso, o puritanismo da esquerda cultural, supostamente laico, veem a Cultura como um lugar perigoso. Cheio de ameaças para as boas almas, para as boas pessoas. Por isso, tendem a querer controlar a Cultura para nos salvar. E além da Cultura, o controle político também entrou no campo da ciência, da investigação científica até, onde a censura encontra terra fértil. Basta que o assunto em estudo seja da coutada interseccional  ou climática, implicando o “cancelamento” dos autores e investigadores. Terá de se obliterar a obra de Gil Vicente por, já no séc. XV descrever a terrível inconstância do clima em Portugal?

Hannah Arendt, explica que as pessoas sem auto-estima, que nem gostam de si próprias, encontram a sua identidade perdida no grupo, na massa. No Homem-Massa, como muito bem descreve Ortega y Gasset em “ A Rebelião das Massas” (Relógio de Água). O ser humano atual, perdido, individualista, solitário, em tele-trabalho até, onde a comunidade desapareceu ou tem de se comprar, para estar com os amigos tem de ser num bar ou restaurante gastando dinheiro. Claro que as pessoas se sentem sós e com medo, com medos. A vida é insatisfatória. Está perfeito o caldo de cultura para o totalitarismo. Seja do tipo governamental, como o ensaiado na “pandemia”, ou um totalitarismo mental em que quem se sente tão só busca, desesperadamente tabus para cumprir, para fazer cumprir e para denunciar quem não cumpre, por querer ser aceite pelo grupo-massa e não pisar linhas vermelhas. Este totalitarismo da mente, além de infantil, é muito empobrecedor da democracia, da inteligência e da Humanidade.

A esquerda cultural é a “politicamente correta”, mas a direita não é a “politicamente incorreta”, como estabelece Robert Hughes em “A Cultura da Queixa” (Anagrama, 1994) a direita é “patrioticamente correta”. São duas” correções politicas” diferentes em que cada grupo tem os seus altares e a sua simbologia sagrada. É uma reação identitária da direita frente à “correção politica” moralista. É partir a sociedade em tribos identitárias, o “Apelo da Tribo” de M. Vargas-Llosa a chegar, também, à direita. Uma fratura social maniqueísta, os “bons” e os “maus”, segundo a tribo. Cria-se, assim, a cultura do irreconciliável.

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