A VIOLÊNCIA POLÍTICA EM BEJA NO ANO DE 1976

A PRISÃO DOS 14 ANTIFASCISTAS DE BEJA (continua)

O golpe militar de 25 de novembro de 1975 altera a correlação de forças político-militar no país. Não é o início de um processo contrarrevolucionário como a direita queria, mas é, no entanto, uma contenção do processo revolucionário tendo por base um pacto entre o PCP e o “grupo dos nove” do MFA, no âmbito do qual se aceita o socialismo como objetivo, bem como as conquistas da revolução, nomeadamente a reforma agrária, só que a partir de agora geridas exclusivamente no quadro da legitimidade eleitoral,  ou seja, ao sabor da linha política dos poderes emergentes das eleições a realizar para a Assembleia Legislativa e Presidência da República. A revolução termina e o 2.º Pacto MFA/Partidos, assinado em 25 de fevereiro de 1976, formaliza o seu fim.

No Sul, mais concretamente nos distritos de Évora e Beja, a correlação de forças, apesar das alterações a nível do poder central, determinadas pelo 25 de novembro, continua a ser favorável aos trabalhadores, desenvolvendo-se, portanto, ao longo do ano de 1976 em contraciclo com a situação nacional. Exemplo do que se afirma são os resultados das eleições para a Assembleia Legislativa de 25 de abril de 1976 onde o PCP e os partidos à sua esquerda obtêm, nos três distritos do Alentejo, 45% dos votos válidos, enquanto o PS alcança 35% desses votos. Esta tendência de afirmação da esquerda em terras do Alentejo volta a confirmar-se nas eleições para a Presidência da República do verão de 1976 com Octávio Pato, candidato do PCP, e Otelo Saraiva de Carvalho, posicionado à esquerda deste partido, obtêm, em conjunto, no Alentejo, 49,40% dos votos válidos, graças à votação expressiva de Ramalho Eanes no distrito de Portalegre, mas 56.70% nos distritos de Évora e Beja.

É, pois, neste contexto, com o movimento social dos assalariados rurais a manter, ainda, a sua dinâmica revolucionária, confrontando-se com os ataques a UCP(s) e Cooperativas, protagonizados pelos grandes proprietários agrícolas, agora organizados na CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal) e a política do VI Governo Provisório de redefinição da reforma agrária que, em 17 de junho de 1976, em plena campanha para a Presidência da República, num clima de enorme tensão, Ramalho Eanes, apoiado pelo CDS, PPD e PS, chega a Beja, ao fim da tarde, para realizar um comício de campanha no “Largo dos Duques de Beja”, vulgo “Largo do Mercado Velho”. Para trás ficava, em Évora, um morto e vários feridos resultado dos incidentes violentos ocorridos nas imediações da praça de touros, local do comício realizado por Eanes nesta cidade.

Iniciado o comício, Ramalho Eanes confronta-se com uma parte da assistência que é apoiante do candidato Otelo Saraiva de Carvalho e que integra um núcleo de operários afetos à delegação de Beja do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil do Alentejo, de cuja direção fazem parte dirigentes locais e regionais do PCP (R) e da UDP.

O clima é tenso. Poucas horas antes, João António Pereira Lúcio tinha sido abatido a tiro em Évora por uma rajada de metralhadora. A informação que corre, nunca confirmada, é que os tiros tinham partido da comitiva que acompanhava o general Eanes.

Aos assobios e às palavras de ordem dos contramanifestantes de apoio a Otelo Saraiva de Carvalho, Eanes responde em registo de grande agressividade, referindo, a dado passo, numa alusão indireta a Otelo, que se ganhasse as eleições não mandaria ninguém para o Campo Pequeno.

É, desta forma, num ambiente escaldante, que o comício chega ao fim, com a PSP, chamada ao local, a relatar ter sido alvo de injúrias e de arremesso de pedras, registando, ainda, que os contramanifestantes teriam feito vários disparos de pistola.  No entanto, não há notícia de qualquer ferido em resultado desses disparos.

Algumas horas depois, o Estado Maior do Exército anuncia, em comunicado, a instauração de um inquérito aos incidentes e o PCP, em declarações ao “Diário de Lisboa”, demarca-se do ocorrido, sublinhando que tudo se resumia a uma provocação montada por forças esquerdistas.

Em resultado do inquérito desenvolvido pelo tribunal de Beja, em novembro de 1977, mais de um ano depois, são presos 14 cidadãos antifascistas de Beja, acusados de terem perturbado o comício de Ramalho Eanes, de 17 de junho de 1976, e conduzidos à prisão de Monsanto, em Lisboa. 

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