Em declarações à agência Lusa a propósito dos 10 anos da classificação pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Cultura e Ciência (UNESCO, na sigla em inglês), a presidente emérita do Instituto de Etnomusicologia - Centro de Estudos em Música e Dança afirmou que o seu balanço é “de uma maneira geral positivo”, porém, realçou que não há estudos sistematizados que avaliem o impacto.

A investigadora, que coordenou a comissão científica da candidatura, afirmou que, tal como noutras representações inscritas na lista do Património Imaterial da UNESCO, “há impactos mistos, há aspetos muito positivos e outros aspetos que poderão ser negativos”.

Todavia, “no caso do Cante o que eu estou a ver é um engajamento muito maior e mais abrangente dos jovens”, afirmou.

Salwa Castelo-Branco lembrou o seu trabalho no terreno no Alentejo na década de 1980, nomeadamente em Cuba, com o grupo Os Ceifeiros de Cuba, mas também com outros grupos alentejanos, e citou o Congresso do Cante, em 1997, em que “a preocupação era a ameaça do desinteresse dos jovens pelo Cante e essa atitude mudou completamente”.

A etnomusicóloga citou, a título de exemplo, Gil Galinha, que está a dar continuidade ao trabalho do seu avô, o mestre Ermelindo Galinha, “que foi uma importante figura nos Ceifeiros de Cuba”.

“Não só estamos a ver grupos jovens, como estamos a ver jovens a fazerem parte de grupos já consagrados, com pessoas de outras gerações, como estamos a ver, em alguns casos, jovens que estão à frente de grupos, a orientá-los”, disse.

Por outro lado, Salwa Castelo-Branco enfatizou que “o Cante tem hoje uma presença no espaço nacional que dantes não tinha”.

“O Cante está a ter uma projeção muito maior a nível nacional e internacional, era uma prática confinada às comunidades no Alentejo e aos seus migrantes na chamada diáspora alentejana, nas cinturas industriais de Lisboa e Setúbal, mas hoje em dia o Cante tem-se ouvido em vários espetáculos, em diferentes espaços”, salientou.

A investigadora referiu ainda “os artistas de renome” que convidam grupos de Cante para cantarem juntos, citando, como exemplo, a apresentação do fadista Ricardo Ribeiro em Lisboa, em setembro, que interpretou a solo a moda alentejana “Lírio Roxo”. “Foi sublime, trouxe o Cante para outro espaço em termos quer de estilo quer de audiência”, considerou.

“A inscrição [do Cante na lista do Património Imaterial da Humanidade] chamou a atenção e sublinhou a importância do Cante para as suas comunidades, como Património Imaterial não só das suas gentes, mas como também para o país”, realçou Salwa Castelo-Branco.

A investigadora frisou: “Claro que há grupos que estavam à espera de apoios e não têm o apoio que querem, e, tal como outras inscrições, o Cante não é a única prática expressiva no Alentejo, há outros géneros, o baldão, outros géneros de desafio, há grupos folclóricos, grupos de cantares e há as bandas filarmónicas”.

“Está a dar-se uma projeção maior para o Cante porque foi inscrito, essa é a função desse mecanismo criado pela UNESCO”, acrescentou, referindo que esta é uma das críticas que estudiosos têm feito à UNESCO.

Porém, o destaque ao Cante pode chamar a atenção para outras práticas expressivas da região.

“Estou convencido que o Cante vai-se preservar, na sua modalidade que remonta, digamos assim, há 100 anos, talvez; mas por outro lado, está haver outras modalidades, outras misturas, e isso tudo é muito interessante e há espaço para tudo. A criatividade é sempre algo bem-vindo”, declarou.

Salwa Castelo-Branco realçou a criação de modas novas para serem cantadas: “Durante algum tempo o repertório do Cante não tinha inovação, no sentido de criar novas modas, e agora há novas modas a surgir, por pessoas ligadas aos grupos e que conhecem bem a estrutura das modas, a maneira de escrever as letras, de criar o estilo ou adaptar aos estilos existentes, e isso é interessante”.

O Cante Alentejano foi classificado como Património Cultural Imaterial da Humanidade, pela UNESCO, em 27 de novembro de 2014.

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Gostei do que li parece-me estar de acordo com o que observo no terreno.

José Marques Afonso

25/11/2024

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