Esta é uma das conclusões da fase de auscultação dos católicos portugueses realizada nos últimos meses e que integra o documento síntese enviado pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) para a Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, convocado pelo Papa Francisco e que culminará no Vaticano em outubro de 2023.

No documento divulgado pela CEP, é também apontada “uma Igreja pouco disponível para discutir de forma aberta e descomplexada a possibilidade de tornar opcional o celibato dos sacerdotes e a ordenação de homens casados e das mulheres”, que não as considera “em igualdade com os homens na missão”.

Também o processo de tomada de decisão e escolha de lideranças é visto como “pouco transparente e inclusivo, restringindo a Igreja ao corpo composto pelo sacerdote e os leigos que desempenham uma função nos grupos paroquiais/movimentos eclesiais, geralmente tidos como um corpo demasiado elitista, que ocupa posições quase de modo vitalício e se mostra incapaz de delegar de forma repartida e rotativa as diversas funções”.

As múltiplas comunidades diocesanas que participaram na reflexão sobre a realidade da Igreja Católica em Portugal, alertaram, também, para a existência de “uma Igreja espiritual e humanamente pouco inclusiva e acolhedora, discriminando quem não está integrado ou não vive de acordo com a moral cristã, isto é, divorciados, recasados e pessoas com diferentes orientações sexuais, identidades e expressões de género (grupo LGBTQi+), que coloca em segundo plano as pessoas com deficiência, os mais pobres, os marginalizados e, consequentemente, desprotegidos, privilegiando atitudes assistencialistas nas situações de pobreza e institucionalização nos grupos mais vulneráveis”.

Ao mesmo tempo, no rol de problemas, é incluída a dificuldade da Igreja “fazer caminho com os jovens”, com estes a considerarem “que a Igreja tem uma mentalidade retrógrada e desajustada dos tempos” que se vivem.

Os jovens, aliás, foram quem “maior indiferença” mostrou perante o processo sinodal, acreditando “que não serão implementadas mudanças na Igreja, ao ritmo e visibilidade que anseiam”.

Fazendo um retrato muito crítico da Igreja em Portugal, os católicos alertam para a existência de “uma Igreja que apresenta uma atitude algo soberba e que se mostra pouco disponível para a escuta, marginalizando os anseios e as expectativas dos membros da sua comunidade, atribuindo-lhes, demasiadas vezes, um papel de recetores passivos”, reconhendo ainda estar-se perante uma “Igreja em declínio social no que respeita à sua reputação e relevância, que não tem sabido utilizar a força transformadora do Evangelho numa oportunidade de conversão social, valorizando uma cultura humanista capaz de fazer o contraponto ao globalismo, que amarra os pobres e sedimenta as desigualdades e o localismo que gera xenofobia e promove populismos”.

Críticas à formação dos agentes do clero, à sua incapacidade de se adaptar “aos ritmos e às exigências da família de hoje, na sua ampla variedade, desde as questões relacionadas com a vivência da sexualidade conjugal aos novos ritmos das famílias, sobretudo as que têm filhos” estão também espelhadas no documento que a CEP enviou para o Vaticano.

“Apesar destes aspetos negativos, na verdade, a Igreja é tida globalmente como uma instituição credível, presente nos locais onde ninguém ousa ir e solidária com os mais desfavorecidos, a quem presta assistência, mesmo quando falham todas as outras respostas sociais”, ressalva, no entanto, acrescentando que “o cariz sociocaritativo é uma das dimensões que confere à Igreja uma visão positiva aos olhos da sociedade, por aparecer na linha da frente na defesa dos mais pobres e na promoção de uma vida digna e com qualidade, alcançando locais que outros setores da sociedade não conseguem, missão habitualmente desempenhada sem desejo de protagonismo mediático”.

Os católicos portugueses entendem, ainda, que, “ao assumir e corrigir os erros do passado, como no caso dos abusos de menores, a Igreja continua a ser uma referência positiva no seio da sociedade, mas não escondem que “a visão atual da Igreja é, pois, marcada por uma imagem maioritariamente desfavorável, como ficou expresso no ponto anterior, fazendo surgir várias áreas onde a conversão é urgentemente pedida”.

Assim, “uma Igreja de portas abertas, que abrace a diversidade e acolha todos, excluindo atitudes discriminatórias que deixam à margem a comunidade LGBTQIA+ e os divorciados recasados; (…) uma Igreja que disponibilize espaços abertos à partilha, ao diálogo e à reflexão, sem excluir qualquer tema; (…) uma Igreja que dê voz às minorias e estabeleça um diálogo com as periferias, (…) denunciando a pobreza e apoiando os pobres”, é defendida no documento.

Documento onde é pedida também “uma Igreja mais transparente e rigorosa nas suas formas de decisão e gestão, menos refém das lógicas das ‘hierarquias’ e do ‘poder’ e que envolva a comunidade nestes processos, de maneira que todos respondam à sua vocação batismal e assumam um papel mais ativo, mesmo na escolha dos bispos e na transferência dos párocos”.

É ainda sublinhada a necessidade de reflexão sobre o celibato sacerdotal, propondo que o mesmo seja opcional, bem como sobre a valorização do papel da mulher num plano de igualdade com o homem, “incorporando-a nas estruturas do poder eclesial”.

O Sínodo sobre a Sinodalidade, que culminará no Vaticano em outubro de 2023, quer saber como é que a Igreja está a fazer o “caminho em conjunto” no anúncio do Evangelho e chama “todos os batizados” a darem opinião.

“Uma Igreja sinodal, ao anunciar o Evangelho, ‘caminha em conjunto’. Como é que este ‘caminho em conjunto’ está a acontecer hoje” na Igrejas locais? foi uma das principais perguntas colocadas aos cristãos chamados a dar a sua opinião sobre a atualidade e o futuro da Igreja Católica.

“O objetivo do atual Sínodo é escutar, como todo o Povo de Deus, o que o Espírito Santo está a dizer à Igreja”, indicava o ‘Vademecum’ (guia para orientar a ação no caminho sinodal).

Subordinado ao tema “Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”, o processo está a envolver toda a Igreja Católica.

Na Síntese Sinodal enviada ao Vaticano, a CEP é perentória ao defender que “o mundo precisa de uma ‘Igreja em saída’, que rejeite a divisão entre crentes e não crentes, que olhe para a humanidade e lhe ofereça mais do que uma doutrina ou uma estratégia, uma experiência de salvação, um ‘golpe de dom’ que atenda ao grito da humanidade e da natureza”.

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