
Todos no mesmo barco? Não é verdade.
Ainda ecoa na nossa cabeça a frase anunciada até à exaustão no pico do SARS COV2, proclamando que iríamos “todos ficar bem”.
Se a nível sanitário o resultado foi o que (não) se sabe e sem fim à vista, já no plano socio económico quase todos ficaram pior, a comprovar que também o outro slogan de que todos navegávamos “no mesmo barco”, também ele, não passa de uma ilusão.
De facto, não só, e entretanto, a esmagadora maioria da população mundial ficou efetivamente pior, como uns navegaram esta situação sanitária numa “casquinha de noz”, com alguns a naufragar sem qualquer hipótese de salvação, e outros, uma minoria, passou a tormenta sem qualquer balanço, vendo até a sua condição económica escandalosamente melhorada.
A história ensina-nos que as crises, sejam elas de que natureza forem, acabam quase sempre por acentuar as desigualdades. Também por isso no mundo ocidental e no pós II Grande Guerra, as movimentações dos povos levaram a que as elites cedessem, e os Estados tenham criado mecanismos de compensação para atenuar, a jusante, os impactos desses processos de injustiça, e a montante, com a criação de politicas sociais nos domínios da saúde, da educação, da habitação e da segurança social, que não só permitiram diminuir muitas das expressões da desigualdade, como levaram a avanços significativos na generalidade desses países.
O triunfo da denominada Escola de Chicago que trouxe para a ribalta o liberalismo, ou neoliberalismo como muitos lhe chamam, mas que de novo nada tem, iniciou um processo de desmonte desse modelo societário, traduzindo-se, no essencial, no acentuar da apropriação desmesurada da riqueza dos países por parte de alguns.
Gabriela Bucher, Diretora Executiva da Oxfam International, dava a semana passada conta e durante a apresentação do Relatório , “ Lucrar com a dor” que, “ 573 pessoas se tornaram multimilionárias durante a pandemia. No espetro contrário, estima que mais 263 milhões de pessoas caiam em situação de pobreza extrema este ano.”, para de seguida referir que a “riqueza dos multimilionários aumentou mais nos primeiros dois anos da pandemia de Covid-19 do que nos últimos 23 anos”, acentuando ainda que, “A fortuna dos multimilionários não aumentou porque agora são mais espertos ou trabalham mais arduamente. Os trabalhadores estão a trabalhar mais, por salários mais baixos e em piores condições.”
A nível interno, a situação é em tudo semelhante. O Relatório do INE resultante do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento dos Portugueses entre 2016 e 2021, dá conta que em apenas um ano (2020-2021), “a população na situação de pobreza aumentou em Portugal para 1.893.673, ou seja, mais 231.002 (+13,9%) pessoas”.
Os efeitos dessa situação vai agravar-se, decorrente do aumento generalizado dos preços, como o demonstra um outro estudo do INE (Índice de Preços no Consumidor), informando que entre março de 2021 e março de 2022, os produtos alimentares e bebidas não alcoólicas aumentaram 7,2%; os óleos e gorduras 32,2%; o gás 18% e os combustíveis líquidos 50,6%.
Enquanto tudo isto aconteceu, no nosso país e em 2021, os CEOs das principais empresas cotadas em bolsa, receberam, em média, 32 vezes mais do que os respetivos trabalhadores, e o INE informava que no final de 2020, metade da população portuguesa tinha um rendimento mensal de 792 euros.
Sempre achei que no fim da pandemia não íamos ficar todos bem, pela simples razão de quem todos estão no mesmo barco.