
QUASE NO FINAL DE 2022…
Final de ano, época de balanço. Sempre com a esperança de que a saúde não se afaste. De resto, seleccionei três – apenas três, para não ser maçadora - novas e velhas constatações, que resultam em apreensões, relacionadas com algumas das minhas vivências – diria, até, quase diárias - de quem olha, escolhe ver, e decide reparar:
1 - Li que a ansiedade de separação do telemóvel é designada nomofobia. Empiricamente diria que, em particular de entre os jovens, serão em número crescente aqueles que tendem a sofrer desta doença: mesmo em sala de aula, é (quase) impossível evitar a conexão em permanência dos jovens com o seu smartphone. Eles assumem os telemóveis como uma extensão do seu próprio corpo, que os domina, que os “molda”, sendo esta uma tendência extremamente difícil, ou até impossível, de controlar. Com a criação do metaverso - uma faixa da realidade que integra os mundos real e virtual -, já com algumas aplicações em Portugal (há pouco tempo, a MEO criou uma loja no mundo virtual e convida os clientes a visitá-la, para desfrutarem de uma exposição de obras de João Noutel e de quadros criados com inteligência artificial), esta situação irá piorar e, decerto, tornar-se mais complexa. Perturbador!
2 - No princípio do mês de Novembro, no seu Blog, Paulo Guinote publica o texto intitulado “Entretanto, no ensino superior…” onde põe o dedo na ferida. Diz ele que «começam a acentuar-se os sinais das “melhorias” nas “competências transversais”, nomeadamente as relativas ao não saber estar numa aula.” Hoje, é o professor que se sente cada vez mais desprotegido em sala de aula, o que leva a que alguns acabem por alinhar na ‘macacada’ digna de ensino primário, sem se preocuparem se o aluno está a dormir ou a jogar. O trabalho é de equipa e não adianta um professor corrigir um aluno e alertá-lo para não estar a mexer no telemóvel o tempo todo, se na hora de aula a seguir, vem outro docente, que ignora completamente o comportamento.
Não se pedem turmas de alunos brilhantes, nem despertos para matérias com as quais não se identificam. Pedem-se turmas de alunos que respeitem os princípios básicos inerentes a um reduzido conjunto de vocábulos que tanto devem ser utilizados por estudantes como por professores: “Desculpe, por favor, obrigada, bom dia.” A educação, em alguns casos, fica à porta da sala de aula e isso é preocupante.» Aliás, este relato é, todo ele, preocupante!
3 - O mês passado participei num encontro onde me
foi solicitado dissertar sobre um determinado tema. Apesar de isso fazer parte
das minhas obrigações profissionais, tenho vindo a fazê-lo cada vez menos.
Sinto que o ruído é cada vez maior, e constante. Ao palestrante é exigida uma
“adequada” perícia em termos de comunicação para conseguir manter a atenção do
público (se tiver a sorte de ter mais do que uma mão cheia de pessoas em sala).
O conteúdo, em particular se implicar fazer algumas reflexões é, quase sempre,
remetido para segundo plano. Para além de se estar sempre a correr o risco de
aborrecer quem está a ouvir. Entretanto, tiram-se umas fotografias para
justificar a realização do evento, para partilhar nas redes sociais, e pronto:
evidências obtidas, trabalho feito! A veleidade que, ao que parece, envolve tantas
destas, e de outras tantas reuniões de pessoas, em contextos diferentes, aflige-me.
Num outro dia, alguém me dizia que já é possível encontrar resumos no
aplicativo Kindle da tragédia de “Hamlet” em 25 palavras, e do “Rei Lear”, em
50 palavras! Acresce a isto a corrente ausência de privacidade: hoje, não só é
quase “obrigatório confessar” tudo a toda a gente, como é imperativo fazê-lo no
imediato. Cada vez é mais difícil guardar a experiência só para si. Quando a
assimilação, a compreensão, são exigentes, carecem de tempo…e de silêncio! Não
será isto preocupante? Para mim, é!
Apresentados os factos, o que fazer então para combater esta “moda”,
propensão, orientação…seja lá o que for que lhe queiramos chamar? Há quem
defenda que falta começar por criar uma “narrativa” (palavra hoje tão em voga) que
prove o quanto é complicado, e o quanto será dramático num futuro próximo, que
os estudantes entrem para a universidade com fraco desempenho académico, que os
jovens cresçam sem referências morais, que seja vendido às novas gerações um
modelo único de sucesso… preterindo o quanto é importante preparar os jovens
para serem boas pessoas, bons cidadãos do seu país e do mundo.
Saramago clama: “Já não há indignação espontânea, que é a boa, a verdadeira indignação. Existe uma doença do espírito: o mal da indiferença dos cidadãos. Estamos todos moralmente doentes.” Camilo acrescenta: “Há uma espécie de insensibilidade que, a meu juízo, é o existir intermédio da demência e da morte.” Cunningham conclui: “Vivemos as nossas vidas, fazemos o que fazemos e depois dormimos. É tão simples e comum quanto isso.”
Será? Será mesmo assim? Será que, ao presente, há vontade, individual e colectiva, para contrariar o “não vale a pena, pois nós somos assim” e, se a houver, será que ainda vamos a tempo de “lançar uma pedra sobre as águas e fazer muitas ondulações?”
Fica o repto para este novo ano que se aproxima!
Boas Festas a todos os meus leitores.