
Opiniões à parte, a que horas há jornalismo?
Disse-o Oscar Wilde “O jornalismo moderno tem uma coisa a seu favor. Ao nos oferecer a opinião dos deseducados, ele mantém-nos em dia com a ignorância da comunidade.”
Notória será a decadência deontológica e a acentuada deriva para o sensacionalismo presentes na Comunicação Social global.
O espetáculo, o escândalo, a violência e a tragédia em directo, a ânsia de se ser o primeiro a chegar, a mostrar, a impressionar.
Os jornalistas deixaram de pertencer à
imprensa escrita, rádio ou televisão, são antes profissionais “todo-o-terreno”
ou agentes multimédia e protagonistas, se assim se quiser, movidos pela tirania
das audiências e pressão das entidades a operar no sector.
Conseguir público e notícias são demandas, mesmo que o preço a pagar seja a
perda de rigor informativo, de imparcialidade, da verdade e da ética, ou que se
misture informação e entretenimento num fenómeno já bem conhecido, o infotainment.
Mas não só a actividade jornalística tem vindo a ser afectada pelos avanços
tecnológicos e digitais, também as sociedades democráticas contemporâneas o
foram, sendo, sobretudo, fortemente impactadas pelo alastrar da desinformação e
pela forma como cada cidadão se relaciona com o mar de informação disponível. É
disto exemplo o negócio das fake news,
assente no click bait por via de
conteúdo enganoso e/ou sensacionalista, apetecível a quem navega e se deixa
levar sem critério.
A dificuldade em legislar nos meios digitais é evidente, até pelo perigo de
limitar liberdades e princípios fundamentais, contudo, parece-me, não deverá ser
a mediação algorítmica a determinar as regras do jogo.
Dos conteúdos que diariamente nos chegam, é cada vez mais ténue a linha que
separa a opinião do factual, a inquisição da investigação, a alegação do
jornalismo. As fontes são maioritariamente anónimas ou insuficientes e os
factos não são mais do que hipérboles que acentuam e limitam um determinado
ponto de vista ou, pelo contrário, inexistentes se incómodos.
Caem assim por terra os valores fundamentais do jornalismo e os princípios expressos no artigo 9º do Código de Ética do Jornalista.
Repare-se que há muito que a imprensa deixou de participar de forma isenta e
imparcial no espaço público. A objectividade deixou de ser critério, abrindo
cada vez o espectro ao espaço de opinião, que é legítimo, mas que não pode
condicionar o entendimento do debate. Até porque esse debate não substitui a
informação e a diversidade ideológica é uma particularidade da Democracia.
A figura do comentador - tanto mais ou menos especialista em assuntos mediáticos - cada vez mais presente no meio, será, por isso, continuamente moldada pelos suas vivências e contextos sociais, políticos, religiosos, étnicos, espirituais, assim como pelas estreitas relações pessoais e isto é necessário manter presente, sempre que nos questionamos sobre o motivo pelo qual as narrativas não mudam.
E neste ponto de inflexão não é necessário que os media perteçam ao Estado para que a independência jornalística seja colocada em causa, perante a pressão de figuras superiores. O mesmo acontece quando o detentor de um órgão de comunicação social é uma empresa ou grupo económico ou mesmo através das agências de publicidade que, como sabemos, financiam os meios “podendo” ditar as regras.
Talvez a reflexão passe por entender que empresas de comunicação social e
jornalismo já não convergem na mesma realidade e que, apesar dos monopólios e
do negócio da informação, ainda existem jornais e jornalistas éticos e de
referência. Talvez uma parte dessa reflexão se prenda com a necessidade de
revisão do modelo de negócio informativo, tornando-o mais sustentável por forma
a permitir que os próprios jornalistas possam exercer de forma livre,
independente e plural. E isto não passa por contratos publicitários, mas sim,
talvez, quem sabe, com o leitor. E para isso é preciso voltar a ganhar a sua
confiança, recuperando credibilidade e respeitando os princípios primordiais do
jornalismo.
Dizia Eça de Queiroz, “Nas nossas democracias a ânsia da maioria dos mortais é alcançar em sete linhas o louvor do jornal. Para se conquistarem essas sete linhas benditas, os homens praticam todas as ações - mesmo as boas.”