O Último Tango em Paris
No início da madrugada, enquanto subia os três lanços de escada que davam acesso ao apartamento onde viviam, antevia uma mulher chorosa, preocupada com ele.
Conheceram-se à saída do cinema. Ela deixara cair a carteira. Ele apanhou-a e no gesto da entrega os olhos de ambos se encontraram num sorriso envergonhado. Ela agradeceu e convidou-o para um café que ele aceitou timidamente. Após seis meses de namoro estavam casados.
Ele trabalhava num escritório como contabilista, ela era professora do 1.º ciclo e o tempo corria por entre carícias, abraços e noites tumultuosas de amor. Cada pequeno almoço era um brinde à vida e o fim de tarde o alvoroço do reencontro de quem todo o dia se desejou.
O tempo passou e a banalidade sem encanto tomou conta da vida de ambos. O viver como habitualmente tornou-se a regra e o entusiasmo perdeu-se para dar lugar ao tédio assente na trilogia pijama, sofá, televisão.
Sentindo, por fim, que a sua vida tinha perdido a chama, depois de sair do escritório, resolveu partir à aventura. Sem qualquer aviso à mulher de que chegaria tarde, procurou a noite e as suas dádivas. No início da madrugada, enquanto subia os três lanços de escada que davam acesso ao apartamento onde viviam, antevia uma mulher chorosa, preocupada com ele.
Abriu a porta, escuro e silêncio. Acendeu a luz. Sobre a mesa da sala um bilhete:
O jantar é empadão, está no fogão. É só aquecer. Comprei leite para o pequeno almoço, está no frigorífico. Fui com um amigo ao cinema, à última sessão da noite, ver a reposição do filme “O Último Tango em Paris”. Não sei quando chego.