Diferentes pesos, diferentes medidas

Visto, sobretudo, como um país de emigração, Portugal tem vindo, nos últimos anos, a contrariar a tendência, assumindo-se, cada vez mais, como país de destino. O saldo migratório foi, pela primeira vez, positivo em 2017 e são cada vez mais os cidadãos estrangeiros a escolher e/ou procurar Portugal para trabalhar, estudar ou viver. Mas o país pacato e aberto, à beira-mar plantado é, por vezes, traiçoeiro para aqueles que de longe nos olham e cujo sonho parece chamar.

Numa tendência generalizada, é crescente o número de cidadãos estrangeiros residentes em Portugal (superior a 555 mil), calculando-se um acréscimo de 40% nos últimos 10 anos, embora com alterações no perfil de entrada. Segundo o Relatório Estatístico Anual sobre Indicadores de Integração de Migrantes 2021, publicado pelo Alto Comissariado para as Migrações, até ao início do século XXI a maior percentagem de solicitações de entrada seriam de natureza laboral, tendo, daí em diante, e por decréscimo das oportunidades de trabalho, sido associadas à necessidade de reagrupamento familiar e ao estudo, pese embora a realidade possa diferir entre regiões. Diferente será, também, a distribuição demográfica e geográfica das comunidades migrantes, sendo certo que, as nacionalidades com maior expressividade em Portugal são a Brasileira (27.8%), Reino Unido (7%), Cabo Verde (5.5%), Roménia (4.5%) e Ucrânia (4.3%).

Segundo dados do INE, sabemos, também, que existe uma tendência crescente das entradas de cidadãos oriundos de países asiáticos, sobretudo nos concelhos onde o trabalho provém, maioritariamente, de explorações agrícolas. No caso do concelho Beja estão identificadas 17 nacionalidades, lideradas pela Índia, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Brasil e Angola, onde se incluem estudantes, cidadão activos e não activos.

Sabe-se, também, que a maior concentração de migrantes acontece na área metropolitana de Lisboa e que 60.5% do total de cidadãos estrangeiros a residir no país são “economicamente activos”, sobretudo em áreas como o comércio, construção civil, limpeza, restauração, distribuição e sector agrícola, em actividades que, assume o país, de outra forma “não sobreviveriam ou entrariam em colapso”.

As habilitações e remunerações verificam-se mais elevadas, em comparação com as dos portugueses, para cidadãos oriundos da EU e EUA, por oposição às remunerações dos trabalhadores oriundos da Tailândia, Bangladesh, Nepal ou Guiné. E destes, 67.7% tem vínculo laboral precário.

Segundo o INE 14.3% dos cidadãos estrangeiros serão patrões e/ou empregadores.

Situando-se a média de idades nos 37.3 anos, abaixo da média da população portuguesas, assumem, não só, estes cidadãos, um papel fundamental na eficiência do mercado de trabalho, como no atenuar dos efeitos do envelhecimento crónico da população, que se verifica há anos, a que soma o contributo para a natalidade (13.5% do total de nascimentos em 2020).

Posto isto, e à margem do populismo das medidas propostas por uns, da falsa “dignidade” defendida por outros, do sacudir ou não “a água do capote” inerente a vários ou mesmo da necessidade de se “escolher que tipo de imigrantes queremos para serem os colabores do nosso desenvolvimento”, citando o líder do PSD, importa, fundamentalmente, discutir com urgência e seriedade as políticas de imigração. Porque sim, evidentemente, Portugal precisa de imigrantes.

E não há dúvidas, segundo o Relatório Estatístico Anual 2022 “os estrangeiros assumem maior capacidade contributiva e são necessários para apoiar a sustentabilidade do Sistema de Segurança Social”, tendo contribuído, em 2021, com 1.293,2 milhões de euros, representando 10% dos contribuintes do país. E se dúvidas houvesse, no balanço entre prestações sociais e contribuições, são as segundas quem mais pesa. É, então, factual a importância do contributo estrangeiro para o “alívio do sistema e para a sua sustentabilidade”.

Por outro lado, no reverso da medalha, existe à luz da legislação portuguesa permissão para a estadia em Portugal de milhares de seres humanos incapazes de garantir o seu sustento, a viver em condições indignas e incapazes de escapar à violência da exploração laboral e humana, por ineficácia do controlo e fiscalização de entradas e das condições de vida e laborais. Vítimas das redes oportunistas, que têm nas lacunas legais a sua oportunidade de negócio, chegam-nos, todos os meses, seres humanos cujo peso da dívida, no país de origem, transcende a dureza da vida. Porque sabemos, as redes de tráfico humano são uma realidade, assim como a fragilidade destas pessoas, expostas a abusos e excessos por parte de patrões, mediadores e dos modelos de trabalho das novas plataformas de distribuição, onde o contrato de trabalho é inexistente e onde todas as responsabilidades inerentes à actividade são afectas aos parceiros, entenda-se distribuidores.

Já não fechamos os olhos, nem permitimos à classe política que os feche, às condições de habitabilidade de 37.7% da população migrante que, segundo o resultado do CENCUS, assume viver em alojamentos sobrelotados. Sobretudo desde que Odemira e Beja passaram a ser uma realidade das ruas lisboetas e que o poder governativo passou a ser confrontado com aquilo que parecia, até então, apenas ao poder local dizer respeito – quando dizia, pois, nem sempre.
O que à distância acontecia está agora demasiado perto.

Em boa verdade, e à boa vontade, é necessário que se juntem as políticas públicas de apoio, ao trabalho incansável das IPSS e às iniciativas privadas e de cidadãos singulares já existentes, criando uma estratégia concertada que permita dar melhor resposta a quem nos chega, vindo de um país diferente, de uma cultura diferente e em situações, quantas vezes, delicadas.

A responsabilidade de acolher e integrar é, também, dos organismos públicos. Assim como é sua a responsabilidade de perceber, com abertura, olhando para fora, quais as necessidades prementes e de que forma podem, estes organismos, ajudar a supri-las.

Curiosa será, no entanto, a aproximação do risco de pobreza entre cidadãos migrantes e portugueses; 20.2% para os primeiros e 19.3% para os segundos. Revelador da ineficácia das actuais políticas estruturais e sociais e da urgência em discuti-las e trabalhá-las.

E se a discussão do momento é sobre se Portugal deve ou não continuar aberto a imigrantes, sim. Mas garantindo o apoio real e necessários às IPSS, garantindo ética social, transparência na atribuição de vistos e autorizações de residência, combatendo a exploração e o trabalho clandestino e tornado (mais) dignas as condições de vida das pessoas. Porque são diferentes os pesos e as medidas quando se fala em imigração comunitária e extracomunitária, mas também sobre elites privilegiadas - reformados, investidores, trabalhadores altamente qualificados e nómadas digitais – e os demais trabalhadores de base. É necessária a discussão: como viver em Portugal, como habitar Portugal e como ser casa em Portugal?

 Não somos ilhas. Somos humanos e devemos pensar como tal: global.

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