Claúdio Torres

Conheci o Cláudio há cerca de quarenta anos, quando, no final da década de setenta, o professor de história do ensino secundário, e no âmbito de uma aula, nos levou a conhecer as escavações que então se tinham iniciado junto ao Castelo de Mértola. Recordo-me de ver aquela figura de cabelo meio encaracolado, meio desarranjado e olhar penetrante, e que rapidamente se abeirou de nós querendo saber de onde éramos e porque estávamos ali.

Estava então longe de imaginar que passados dois anos iria, eu próprio, e no âmbito do então programa OTJ – Ocupação Temporária de Jovens, e com outros jovens de todo o concelho, integrar aquela equipa de escavações onde participavam jovens universitários, gente da cidade, nomeadamente alunos do Cláudio. No plano pessoal foi uma experiência única. Não tanto pela arqueologia em si mesma, mas sobretudo pelo cruzamento de vivências, convívio e camaradagem que durante os meses de verão se estabeleciam entre dois mundos. O rural e o urbano.

Foi a oportunidade de começar a conhecer melhor a figura fascinante do Claúdio Torres. A sua maneira desconcertante de ver a vida e as coisas. Das mais simples, às mais complexas. O seu constante questionamento de tudo. A tristeza com o rumo do “socialismo real”, ou sua profunda convicção da justeza do “socialismo científico”. Já era então um comunista sem partido. Um sonhador. Mas um sonhador com os pés bem assentes na terra, e que queria fazer acontecer em Mértola uma experiência de desenvolvimento, a partir do local e das gentes da terra, abrangente, sustentada no elemento identitário mais simples e humilde como o caco de cerâmica, ao mais monumental, como o Centro Histórico da vila ou o rio. E conseguiu.

Na homenagem que o ICOM lhe promoveu na passada sexta-feira, alguém dizia que a experiência de Mértola não é reproduzível para outros territórios. A experiência, nos exatos termos, não será. Mas o que aconteceu neste concelho no último quartel do séc. XX no domínio do desenvolvimento cultural, foi a “pedrada no charco” que sacudiu a academia, os decisores políticos e a sociedade em geral, com o património, nas suas múltiplas dimensões, a assumir-se como um elemento indispensável, e por vezes basilar, na revitalização de muitas localidades e concelhos por esse país fora.

A ideia será nos dias de hoje uma “verdade de la palisse”, na medida em que será quase redundante dizer algo do género. Posso garantir-vos que logo após a revolução de 1974, quando em Mértola não havia eletricidade em nenhuma das mais de cem localidades do concelho, (à exceção da vila e Mina de S. Domingos),e  nalgumas povoações nunca tinha chegado um automóvel porque a “estrada” não o permitia, quando tudo faltava, apostar decisiva e fortemente no património, foi um rasgo de coragem politica e também de lucidez. E tudo isto foi possível, porque ao lado de Claúdio Torres, estava um outro homem excecional: o autarca comunista do município, António Serrão Martins. E juntos fizeram acontecer. O último ajudou a lançar a semente que Cláudio Torres soube fazer germinar.

Estive com o Claúdio no fim de tarde de sexta-feira. Estive lá, não só por seu amigo. Foi também para lhe dizer: obrigado.

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