Opinião Atual

Alentejo

«Terra da nossa promissão, da exígua promissão de sete sementes, o Alentejo é na verdade o máximo e o mínimo a que podemos aspirar: o descampado dum sonho infinito, e a realidade dum solo exausto». Foi com estas maravilhosas palavras que Miguel Torga – um dos maiores representantes do sentir telúrico português, pois não existe apenas o marítimo… - descreveu o nosso Alentejo: através dos seus paradoxos. Através de uma dicotomia que sempre marcou o Alentejo, extensa terra que parece não acabar prometendo esse «sonho infinito», mas que tantas vezes se limita, fazendo do seu solo um «solo exausto».

Foi esta dicotomia que marcou a minha vida. Lembro-me bem do Alentejo do tempo da minha infância: daqueles anos turbulentos do pós-25 de abril, do Baixo Alentejo ainda dividido entre grandes latifundiários e camponeses sem terra, quase sem classe média. A minha família foi marcada por esta estrutura social que parecia não ser possível mudar. Lembro-me de como o meu avô sonhava em fazer teatro, mas que a vida o tornou impossível e fez dele sapateiro. Lembro-me de como esta estrutura da vida daquele tempo impediu o meu pai de estudar, apesar da sua reconhecida inteligência e do seu manifesto interesse intelectual acima da média (que o fez ter lido, com apenas 17 anos, o Guerra e Paz de Tolstoi, algo que ainda hoje me deixa impressionado).

Tudo isto me marcou. Não como uma fatalidade do destino que me era imposta, mas como um modo de ver o mundo que simplesmente não podia estar correto para mim. A mentalidade alentejana naquele tempo era a resignação, como a minha mãe tantas vezes tornava patente: dizia-me que era impossível pensar em sair de Beja, estudar fora, ambicionar uma vida com outros horizontes; isso era para os «ricos», para nós só restava habituarmo-nos à falta de aspirações, resignarmo-nos ao que havia. Foi perante esta resignação que moldei o meu modo de ser. Resistir a este fatalismo tornou-se para mim a única opção de vida. Muitos poderiam pensar que me tornaria um pregador da luta de classes, como aconteceu com tantos em todo o nosso Alentejo; mas não, tudo isto me fez acreditar numa sociedade com mobilidade social, baseada no mérito, no trabalho e no talento. Fez-me acreditar que também era possível, num Alentejo altamente hierarquizado e socialmente rígido, acreditar num elevador social. Ou seja, como diria Miguel Torga, que o Alentejo podia ser o máximo a que poderíamos aspirar, e não o mínimo, como me parecia naquela altura.

Hoje vejo que este sonho do Alentejo se tornou possível; que o nosso Alentejo é hoje uma terra onde o elevador social se faz sentir e que muda a paisagem alentejana. Seja na inovação social como vi em exemplos como a Cercibeja, na minha terra. Ou na inovação agrícola como vi acontecer com a mudança que significou o Alqueva e que fez mudar mentalidades. Ou ainda na inovação no ensino, com o excelente exemplo da Universidade de Évora que tanto talento atrai e retém no Alentejo. Até na inovação em setores estratégicos como a aviação, como vejo hoje em Ponte de Sor. Foi tudo isto que vi em exemplos pessoais que me chegam e que mostram que os alentejanos podem estar entre os melhores do mundo – não já resignados perante as circunstâncias da vida, mas capazes de moldar, com audácia, essas circunstâncias. Capazes de arriscar, sem medo de correr riscos, sem medo de desafiar as fatalidades.

Se antes o que eu via era o «solo exausto», hoje vejo esperança num «descampado dum sonho infinito». O que é preciso para impulsionar esta mentalidade é apenas e só uma coisa: que este Alentejo que tanto pode dar ao país se torne em prioridade política, seja qual for a cor do governo.

 

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