Há vidas assim...

Dois Mundos Justapostos

Cinquenta anos depois da revolução de abril ali estavam, como sempre, dois mundos justapostos convivendo lado a lado.

Maria Eduarda tinha duas amigas na vila em que vivia. Tinham nascido na mesma rua, brincado juntas e frequentado as mesmas turmas do percurso escolar que tinham realizado até ao 9.º ano de escolaridade. Falavam de vez em quando entre si, da trama da telenovela que acompanhavam na TVI, dos últimos desenvolvimentos do Big Brother, das vicissitudes do programa televisivo “casados à primeira vista”, mas também das suas vidas: do fim do mês que nunca mais chegava, dos filhos, do trabalho, dos maridos, enfim, das pequenas e grandes coisas que preenchiam o mundo de cada uma delas. Eram, em regra, conversas fugazes, à saída da padaria, ou da mercearia.

Os maridos conheciam-se entre si, podia mesmo dizer-se que eram amigos. Viam futebol juntos no café, bebiam uns copos ao fim da tarde na taberna do Justino, a tasca mais frequentada da vila.

Maria Eduarda sentia necessidade de estreitar os laços de amizade com as suas duas amigas e de aproximar as três famílias. Afinal, viviam na mesma localidade e, no fundo, eram todos amigos. Então teve a ideia de convidar as famílias das duas amigas para um almoço de domingo no restaurante mais afamado da vila. Era, segundo ela, um primeiro passo para um convívio mais fraterno e intenso entre todos. A ideia foi recebida com entusiasmo.  

No dia aprazado, eis que as três famílias entraram no restaurante. Os convivas eram três homens e três mulheres, todos e todas na casa dos quarenta anos, três meninas, entre os quatro e os seis anos, e um rapaz com doze. Os três homens instalaram-se juntos na ponta da mesa, seguindo-se o rapaz ao lado de um deles. Na outra ponta da mesa sentaram-se as três mulheres com as três meninas à sua direita. Apesar da ideia de Maria Eduarda, que era a de estreitar os laços de amizade entre as três famílias, eram dois mundos, o dos homens e das mulheres, que se instalavam lado a lado e onde só aconteciam pequenas interações. Eles, à parte, discutiam a ementa, faziam os respetivos pedidos e conversavam entre si sobre as coisas do seu mundo, palavras que tinham ficado penduradas desde o último encontro no café da vila, na taberna ou na adega. Elas, em paralelo, faziam o mesmo, enquanto, a espaços, teciam reparos ao comportamento das meninas. O rapaz, em silêncio, não tirava os olhos do telemóvel onde os dedos voam sobre as teclas.

Cinquenta anos depois da revolução de abril ali estavam, como sempre, dois mundos justapostos convivendo lado a lado.

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